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II SÉRIE-A — NÚMERO 64

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A igreja católica debateu sobre esta questão ao longo dos séculos. O Concílio de Trento (1545-1563) já

preconizava a proibição das touradas, sendo esta proibição reforçada em 1567 pelo Papa Pio V, através da

Bula Salute Gregis Dominici, a qual condenava à excomunhão todos os católicos que nela participassem ou a

ela assistissem, o que levou ao desaparecimento da tradição das touradas em Itália e em França, à exceção

de algumas localidades a sul do país sob maior influência espanhola.

Em Portugal, durante a governação do Cardeal D. Henrique as touradas desapareceram, reiniciando-se em

1582 com Filipe II de Espanha e I de Portugal, que autorizou as corridas de touros em Lisboa, exceto aos

domingos e dias santos.

Devido às constantes desobediências, o sucessor de Gregório XIII, Sixto V (Papa entre 1585 e 1590),

contactou o Bispo de Salamanca exigindo o castigo das mesmas, através de uma dura Carta Pastoral, em que

avisa «doravante, não se ouse dizer, nem ensinar, nem aconselhar, que as ditas pessoas eclesiásticas podem

assistir aos ditos espetáculos sem incorrer em pecado (…)».

Em 1680, o Papa Inocêncio XI (1676-1689) publicou o Decreto Apostólico Non sine graui, o qual enviou a

Carlos II de Espanha com uma nota pessoal em que referia que «os nossos antecessores, os pontífices

romanos, sempre condenaram este tipo de festas e lamentou a desobediência dos eclesiásticos regulares às

ordens de Clemente VIII de que se abstivessem de participar nas corridas»«tão pouco em consonância com a

moral cristã», adiantando ainda «quanto seria do agrado de Deus proibir a festa de touros», uma vez que

faziam parte dos espetáculos sangrentos do paganismo.

Em 1920, o Papa Benedito XV (1914-1922) pela mão do seu secretário de Estado, respondeu a uma

interpelação da Sociedade Protetora dos Animais de Toulon, reiterando que «(…) a barbárie humana está

ainda entranhada nas corridas de touros, não há dúvidas de que a igreja continua a condenar, tal como o fez

no passado, estes espetáculos sangrentos e vergonhosos».

No reinado de D. Maria II, por despacho do Ministro Passos Manuel em 1836, foram proibidas as corridas

de touros, contudo esse despacho foi logo revogado em 1837, tendo a tourada à portuguesa começado a

divergir das corridas espanholas, eliminando gradualmente a morte do touro na arena e introduzindo a pega

por grupos de forcados, no final da lide.

As exceções foram inicialmente para as corridas de touros organizadas pela Casa Pia e Misericórdias, o

que abriu um precedente que se viria a propagar, inclusive deixando de ter os alegados objetivos beneméritos.

A Implantação da República foi um novo momento inspirador da mudança de paradigma, incluindo no que

respeita à proteção animal, sendo apresentadas novas iniciativas para abolir as corridas de touros2, no

entanto, só em 1919 seriam proibidas as touradas em Portugal, através da aprovação do Decreto n.º 5650, de

10 de maio.

Tal realidade teve o seu revês, durante a ditadura do Estado Novo, época em que as touradas foram

promovidas, integrando o conjunto de manifestações populares que a ditadura utilizou para criar um novo

padrão cultural, sob o qual pretendia unificar a população, a par da exaltação da época das descobertas, dos

diversos historicismos, do romantismo, da pintura de costumes, do ruralismo, da casa portuguesa, entre

outros. Neste período não só se construíram a maioria das praças de touros hoje existentes em Portugal (Beja

1947, Póvoa do Varzim 1949, Moita 1950, Almeirim 1954, Montijo 1957, Cascais 1963 – demolida em 2007,

Santarém 1964, Coruche 1966), como a tauromaquia foi divulgada em filmes como Gado Bravo (1934),

Severa (1939), Sol e Touros (1949), Ribatejo (1949) e SangueToureiro (1958).

No contexto internacional, dos 193 países existentes, apenas 8 têm ainda práticas tauromáquicas:

Portugal, Espanha, França, México, Colômbia, Peru, Venezuela, Equador e Costa Rica -, sendo de salientar

que o Equador já proibiu a presença de menores na assistência e na sua participação, França recuou na

classificação de tourada como património cultural de 2011, quando em 2015 o Tribunal Administrativo de Paris

determinou a sua remoção da lista de atividades assim consideradas e o México, nomeadamente a Plaza

México, a maior praça de touros do mundo, está proibida de receber espetáculos após a decisão de um juiz e

assim vão permanecer até que os tribunais de recurso tomem uma decisão final, o que poderá levar meses.

2 Fernão Bôtto Machado propôs à Assembleia Nacional Constituinte a proibição das touradas, num projeto de lei apresentado em 11 de agosto de 1911 e que contou com o apoio da Sociedade Protectora dos Animais. Referindo-se às touradas como «Esse cruel e perigoso sport só é defendido nos nossos dias, ou por interesses de exploração ou por aficionados del redondel, mas sem fundamentos que o justifiquem e sem sequer razões que o desculpem.», in http://basta.pt/liberdade-nao-rima-com-tourada/