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9 DE JANEIRO DE 2023

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milhões no caso da EDP, um valor muito próximo no caso da Sonae. São remunerações na ordem dos 150 mil

euros por mês, às vezes mais, em empresas que mantêm muitos trabalhadores com baixos salários, incluindo

o salário mínimo. A comparação do salário dos gestores com o salário mínimo português, que permanece abaixo

dos 800 €, é estarrecedora.

As recentes notícias sobre os vencimentos dos gestores na TAP e o escândalo da compensação de meio

milhão de euros atribuída a Alexandra Reis pela alegada «renúncia», motivou indignação geral e veio recolocar

este tema em cima da mesa. Para lá das questões legais do caso, ele expõe o regime de castas que existe no

mundo produtivo, com os gestores a terem vencimentos escandalosamente superiores aos dos trabalhadores,

ao mesmo tempo que são premiados por reduzirem gastos, cortarem salários de quem trabalha, imporem

sacrifícios a quem ganha menos, aumentarem dividendos para os acionistas. Que isto possa acontecer em

empresas com capital público mostra até que ponto se impôs a ideologia neoliberal e gerencialista.

Acresce que as remunerações dos gestores não têm relação com o desempenho das empresas, nem em

termos operacionais nem em termos da sua cotação na bolsa, como aliás fica manifesto pela ausência de

relação e de proporção entre o aumento dos vencimentos dos gestores nos últimos dois anos e a melhoria dos

resultados das empresas. Peter Drucker, porventura a referência mais celebrada da gestão moderna, defendia

que o rácio entre o salário mais elevado e o salário mais baixo de uma empresa não devia exceder os 25. Hoje,

nas grandes empresas, a disparidade é muitíssimo superior a esse leque.

A desigualdade de rendimentos combate-se por múltiplos meios. Desde logo, por via fiscal (com impostos

progressivos sobre o rendimento, mas também sobre o património), mas também com políticas públicas que

garantam transferências sociais diretas (que são um mecanismo de distribuição de riqueza e de combate à

pobreza) e com serviços públicos (que são uma forma de salário indireto). Combate-se, igualmente, com

políticas salariais para as quais o aumento do salário mínimo dá um contributo, mas que dependem da

capacidade que existe de, por via da negociação e da contratação coletiva, distribuir de forma menos

escandalosamente unilateral a riqueza que as empresas produzem. E combate-se com regras sobre as

disparidades.

Os Estados, enquanto instância reguladora da economia, podem fazer muito mais do que têm feito. Quer

através de regras exigentes de transparência, quer definindo leques salariais de referência. Este debate tem

vindo a ser feito em vários países. Na Suíça, por exemplo, 100 mil cidadãos propuseram ao Parlamento, em

2011, a fixação por lei de um leque salarial máximo. De acordo com essa proposta, ninguém deveria poder

ganhar num mês mais do que outro, na mesma empresa, ganha num ano. Com esta regra, se os membros da

administração querem ganhar mais, têm de aumentar na mesma proporção os seus trabalhadores. O movimento

ficou conhecido como o 1/12 e conseguiu que se realizasse um referendo em novembro de 2013. Com os

fantasmas das deslocalizações e da redução das receitas fiscais a serem o prato forte da campanha, a proposta

não teve maioria nessa consulta popular. Em França, foi apresentada no Parlamento, em 2016, uma proposta

com o mesmo objetivo: definir um rácio máximo, mas desta vez de 1/20, nos salários da mesma empresa ou

grupo. Perante a pressão, a proposta foi transformada num rácio muito maior: 1/100. Mesmo assim, de acordo

com um relatório do Parlamento francês, a definição legal desse rácio de 1/100 representaria ainda uma redução

de 58 % nas remunerações dos gestores das 40 maiores empresas francesas (o CAC 40). O projeto de lei,

votado em maio daquele ano, acabou por ser chumbado por apenas um voto de diferença. Mas o debate está

longe de estar encerrado.

Em Portugal, a divulgação anual dos salários dos gestores das empresas do PSI 20 costuma gerar apreensão

pública sobre os níveis de desigualdade salarial. O Bloco de Esquerda já propôs, no Parlamento, a definição de

leques salariais de referência. Em setembro de 2018, um projeto de lei do Bloco com esse objetivo foi debatido

e chumbado pelo PS e pela direita. Nessa altura, o PS apresentou uma recomendação ao Governo, cujo primeiro

subscritor era Carlos César, atual presidente do partido, pedindo ao Governo que estabelecesse «um

mecanismo de limitação proporcional da disparidade salarial no interior de cada organização, pública ou

privada». Alegava então o PS, na sua exposição de motivos: «parece inexplicável o facto de o salário dos

gestores de topo ter aumentado 40 % nos últimos 3 anos, sem que se tenha verificado qualquer aumento no

dos restantes trabalhadores, concluindo-se que a remuneração dos altos quadros executivos em Portugal é

francamente desproporcional face aos salários mínimo e médio das respetivas empresas e inaceitáveis numa

perspetiva de equidade e justiça social». A recomendação foi aprovada, mas nada aconteceu, servindo apenas

propósitos declarativos. No programa eleitoral do PS, de 2022, também aparece como prioridade «promover a