O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

29 DE MARÇO DE 2023

17

suficiente para a instauração do processo criminal, correndo o procedimento mesmo contra a vontade do titular

dos interesses ofendidos. Por seu turno, quando se requer uma queixa da pessoa com legitimidade para a

exercer, o crime é semipúblico e torna-se admissível a desistência da queixa. Por fim, o crime é particular

quando, além da queixa, é necessário que a pessoa com legitimidade para tal se constitua assistente no

processo criminal e que, oportunamente, deduza acusação particular.

O procedimento criminal pelos crimes de coação sexual (artigo 163.º), violação (artigo 164.º) e abuso sexual

de pessoa incapaz de resistência (artigo 165.º), depende de queixa, salvo se forem praticados contra menor ou

deles resultar suicídio ou morte da vítima, caso em que o crime é público e a simples notícia do crime é suficiente

para se iniciar o processo criminal (n.º 1 do artigo 178.º). Todavia, na sua redação atual e por força de alteração

legislativa ocorrida em 2015, nos termos do n.º 2 do artigo 178.º, «quando o procedimento pelos crimes previstos

nos artigos 163.º e 164.º depender de queixa, o Ministério Público pode dar início ao mesmo, no prazo de seis

meses a contar da data em que tiver conhecimento do facto e dos seus autores, sempre que o interesse da

vítima o aconselhe».

O artigo 178.º sofreu diversas alterações ao longo do tempo, sendo especialmente relevante a alteração

introduzida pela Lei n.º 83/2015, de 4 de setembro, que aditou o atual n.º 2 e renumerou os seguintes, garantindo

ao Ministério Público a possibilidade de dar início ao procedimento criminal, se o interesse da vítima o impuser.

Admitiu-se, por esta via, a possibilidade de instauração de procedimento criminal independentemente da

existência de queixa, por crimes contra a liberdade sexual, mas sempre em função do critério primordial que é

o interesse da vítima.

PARTE II – Opinião da relatora

A relatora do presente parecer reitera a opinião vertida em pareceres anteriores relacionados com iniciativas

com propósitos semelhantes, discordando da opção de atribuir natureza pública a estes crimes.

No que respeita à outorga de natureza pública, ainda que pretensamente mitigada, julga-se conveniente uma

curta revisitação da reflexão já vertida na monografia O Direito Processual Penal Português em Mudança –

Rupturas e Continuidades3.

O princípio da oficialidade vale de modo pleno relativamente aos crimes públicos, mas conhece as limitações

decorrentes da consagração generosa da necessidade de queixa do ofendido para a instauração do

procedimento criminal e, com menor frequência, da exigência de acusação particular para a sujeição do caso a

julgamento4.

Tais desvios à oficialidade têm sido explicados fazendo apelo a vários critérios, nomeadamente a menor

gravidade de certos ilícitos, a qual tornaria desnecessária a intervenção punitiva estadual se o ofendido a não

reclamar, supondo-se ainda que o reduzido desvalor da conduta não causa significativo abalo comunitário. Mas,

por outro lado e mesmo em crimes mais graves, a exigência de queixa configura-se ainda como um

reconhecimento da autonomia da vontade do ofendido em não ver expostas no processo penal questões que,

por serem eminentemente atinentes à sua intimidade ou à sua privacidade, poderiam com a sua revisitação num

processo penal indesejado levar a uma intensificação ou a uma revisitação da ofensa. Ou seja: os crimes

particulares em sentido amplo não são, necessariamente, apenas os crimes menos graves. Haverá casos em

que se poderá entender que, apesar da manifesta gravidade do crime, a existência do processo criminal deverá

depender da queixa do ofendido, mormente porque um processo indesejado lhe causará uma desproporcionada

vitimização secundária e porque o seu interesse na modelação da resposta ao crime é preponderante face ao

interesse comunitário na punição.

A opção sobre a natureza processual de vários crimes voltou a ser objeto de controvérsia político-criminal a

3 Cfr. Cláudia CRUZ SANTOS, O Direito Processual Penal Português em Mudança – Rupturas e Continuidades, Almedina: 2020, sobretudo p. 103 ss. 4 Na opinião de José de FARIA COSTA, a existência de crimes particulares em sentido estrito é «um dos afloramentos mais expressivos e sintomáticos do horizonte do consenso» (ideia que pode ser, pelo menos até certo ponto, aplicável aos crimes semipúblicos). Todavia, julga-se que, diversamente do que sucede com a suspensão provisória do processo ou com o processo sumaríssimo, esse consenso ocorre de certo modo «à margem» do processo penal. A especificidade desse consenso inerente aos crimes particulares é vista pelo Autor também como «um reforço da componente vitimológica na apreciação e realização da justiça» – é reconhecido por José de FARIA COSTA, (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Dir. Jorge de Figueiredo Dias, comentário do artigo 207.º CP, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 124).