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II SÉRIE-A — NÚMERO 208

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O artigo 2034.º do Código Civil, cuja alteração ora se propõe, tipifica as causas de incapacidade sucessória

por motivo de indignidade:

a) Ser condenado como autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o autor

da sucessão ou contra o seu cônjuge, descendente, ascendente, adotante ou adotado;

b) Ser condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas, relativamente a

crime a que corresponda pena de prisão superior a dois anos, qualquer que seja a sua natureza;

c) Induzir, por dolo ou coação, do autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar o testamento, ou disso o

impediu;

d) Dolosamente subtrair, ocultar, inutilizar, falsificar ou suprimir o testamento, antes ou depois da morte do

autor da sucessão, ou aproveitar-se de algum desses factos.

Para além das consequências ao nível do direito civil, o incumprimento da obrigação de prestação de

alimentos tem também consequências penais. O artigo 250.º do Código Penal, cuja alteração ora se propõe e

que constitui um dos crimes contra a família, pune a violação da obrigação de alimentos com pena de multa ou

de prisão, que, dependendo das circunstâncias, varia entre 120 e 240 dias ou até um ou dois anos de prisão.

Pune-se, pois, o incumprimento da obrigação quer seja pontual ou reiterado (n.os 1 e 2) e quer coloque ou não

em perigo a satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais do alimentado (n.º 3), bem

como a circunstância de alguém se colocar propositadamente na impossibilidade de prestar alimentos com isso

criando aquele perigo (n.º 4).

PARTE II – Opinião da relatora

A iniciativa legislativa em análise, no que respeita à intenção de alargamento das circunstâncias conducentes

à indignidade sucessória através de uma alteração do artigo 2034.º do Código Civil, sujeita-se à crítica de que

encurta a liberdade na disposição de bens, parecendo muito duvidoso que por essa via se contribua para a

proteção dos direitos fundamentais das pessoas idosas.

Como bem se sublinha na pronúncia da APAV, o propósito, manifestado pela Associação no relatório

«Portugal Mais Velho», apresentado em outubro de 2020, deve ser antes «a criação de uma política de família

que passe, entre outras medidas, pela revisão do direito sucessório de modo a permitir uma maior liberdade na

disposição de bens (garantindo que numa situação em que os descendentes de uma pessoa idosa não a apoiem

ou até maltratem possam ser “deserdados”».

No parecer da APAV chama-se ainda a atenção para um parecer da Procuradoria-Geral da República

apresentado em legislatura anterior a propósito de iniciativa semelhante do Grupo Parlamentar do CDS-PP

(Projeto de Lei n.º 246/XIII/1.ª), «por levantar uma questão que nos parece muito relevante e que acreditamos

ser necessário discutir». Aí se refere estar «em causa uma opção política que eliminará a liberdade de decisão

e a vontade do futuro de cuiús, e substituí-la, em nome do interesse público, por uma consequência ope legis

decorrente da indignidade». Ao tornar-se a condenação por violação da obrigação de alimentos ou por exposição

ou abandono uma causa de incapacidade sucessória por indignidade, retirar-se-á ao autor da herança «vontade,

liberdade de assim decidir”». Considerou, ainda, a Procuradoria-Geral da República que a legislar-se deste

modo estará assente que se prescinde, ou se eliminará, o princípio da autonomia e da participação do cidadão

idoso, com direta repercussão na sua capacidade de exercício e de disposição relativamente ao seu património.

A iniciativa suscita reservas também no que respeita à sua dimensão jurídico-penal. No que respeita à

conversão em crime público da violação da obrigação de alimentos, trata-se de solução inidónea a proteger os

interesses das vítimas, por limitar a sua autonomia na definição das respostas que considere mais adequadas.

Neste sentido pronuncia-se também a APAV, excecionando apenas a hipótese prevista no n.º 3 do artigo 250.º

do Código Penal: «de acordo com aquilo que tem vindo a ser a posição da APAV relativamente a outras

tipologias de crime, e no cumprimento de um dos princípios orientadores da sua prática – o da autonomia da

vítima na tomada de decisões –, tendemos a não concordar com alteração de natureza proposta. De forma

geral, consideramos que a alteração da natureza do crime previsto no artigo 250.º do CP, de crime semipúblico

para público, implicaria uma interferência indesejada na esfera decisória da vítima, podendo essa interferência