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13 DE DEZEMBRO DE 2023

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Por isso, e dado o quadro de crescente dificuldade de acesso das famílias a uma habitação digna e a preços

compatíveis com os seus rendimentos, num contexto particularmente complexo como o atual, importa refletir

sobre as respostas necessárias e delinear uma política habitacional consistente e duradoura, capaz de enfrentar

de forma estratégica as questões habitacionais com que o País se confronta.

1 – O paradigma dos apoios públicos à aquisição de casa própria

Com a liberalização do sistema bancário e a descida das taxas de juro, a par dos benefícios fiscais e da

bonificação do crédito, a aquisição de casa própria converteu-se, sobretudo a partir dos anos 90, no principal

eixo das políticas de habitação e na opção preferencial de acesso ao alojamento por parte das famílias.

Na génese deste processo, e a par da relativa debilidade das políticas habitacionais seguidas até então,

encontram-se fatores de natureza externa, associados à integração europeia e à crescente influência dos

mercados financeiros na atividade das famílias, das empresas e do próprio Estado2.

No caso da habitação, as dinâmicas de financeirização económica e social traduziram-se num impulso muito

expressivo das políticas com incidência na procura, suportadas por crédito a baixo custo e abundante e

reforçadas pelos apoios públicos à aquisição, nomeadamente com as bonificações de juros.

É também este contexto, marcado por condições favoráveis e de incentivo à aquisição de casa própria, que

impede a revitalização do mercado de arrendamento, já liberto, nessa altura, dos constrangimentos associados

ao congelamento das rendas.

De facto, se a partir de 1981 passou a ser possível optar por um regime de renda livre ou condicionada em

todos os novos contratos, após 1990 assistiu-se à liberalização do mercado de arrendamento, tanto em termos

de valor de renda como de duração. Ou seja, todos os fogos construídos a partir de 1990 passaram a poder ser

colocados no mercado em regime de renda livre. Aliás, e ao contrário do que muitas vezes se supõe, o universo

de rendas congeladas será hoje ainda mais residual do que em 20113, não devendo, portanto, ser encontrada

neste fator – mas sim na preferência «racional» pela casa própria, em resultado da facilidade de acesso ao

crédito, por via do endividamento das famílias – a persistente crise do mercado de arrendamento em Portugal.

É também este contexto que leva a que, sobretudo no período entre 1995 e 2005, a despesa pública com

habitação passe a situar-se em valores anuais superiores a 300 M€ (quase atingindo os 700 M€ no início dos

anos 2000), cabendo a maior fatia desses montantes (73 % do orçamento executado entre 1987 e 2015) a

encargos com a bonificação de juros. Bem acima, portanto, dos encargos com outras medidas de política

habitacional, e em particular os relacionados com a promoção direta de alojamentos.

Quadro 2

Política de habitação: dotações orçamentais por tipo de medida (1987-2011)

Orçamentado Executado Taxa

execução Valor % Valor %

Bonificação de juros no crédito à

habitação 6 672 508 895 € 65,9 % 7 046 685 146 € 73,3 % 106 %

Realojamento e subsídios de renda da

Segurança Social 1 852 539 523 € 18,3 % 1 382 649 504 € 14,4 % 75 %

Incentivos ao arrendamento 739 632 917 € 7,3 % 803 874 566 € 8,4 % 109 %

Promoção direta (incluindo CDH) 461 421 655 € 4,6 % 207 813 110 € 2,2 % 45 %

Reabilitação de edifícios 392 242 731 € 3,9 % 166 594 609 € 1,7 % 42 %

TOTAL 10 118 345 720 € 100 % 9 607 616 935 € 100 % 95 %

Fonte: IHRU, IP (2015)

Aliás, como ilustra o quadro anterior, são precisamente as medidas orientadas para a procura (bonificação

de juros e incentivos ao arrendamento) as únicas que registam, no período de 25 anos considerado, níveis de

2 Cf. Santos, Ana Cordeiro; Teles, Nuno; Serra, Nuno (2014), Finança e Habitação em Portugal, Cadernos do Observatório, n.º 2. Observatório das Crises e Alternativas. CES, Lisboa. [https://www.ces.uc.pt/observatorios/crisalt/documentos/cadernos/CadernoObserv_II_julho2014.pdf] 3 De acordo com os dados do Inquérito às Rendas de Habitação, realizado pelo INE, IP, em 2015, do total de arrendamentos existentes «apenas 33 % dizem respeito a contratos celebrados antes de 1990 e, desse universo, apenas 22 % têm rendas inferiores a 100 €. […] E se desse universo excluirmos ainda o setor público e cooperativo (cujo menor valor das rendas é social, não resultando do congelamento), então o peso relativo das rendas congeladas passa a ser de apenas 14 %» (Santos e Serra, 2020).