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II SÉRIE-A — NÚMERO 16

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trabalho que se acumulam entre o trabalho assalariado e o trabalho doméstico e de cuidados não pago. São as

mulheres as mais prejudicadas na sua vida profissional pela falta de creches públicas e de equipamentos de

apoio aos idosos e a pessoas com algum tipo de dependência, assim como pela responsabilização pelo trabalho

doméstico. Por estas razões, mesmo sendo ilegal pagar diferente por trabalho igual, manifesta-se um viés

machista, quer na definição do salário de profissões equivalentes, conforme são mais ou menos feminizadas,

quer nos sistemas de avaliação e progressão profissional. Cada uma das mulheres, afetada de maneira diferente

por várias injustiças sociais, é prejudicada na sua remuneração e, todas juntas, as mulheres acumulam uma

desigualdade sem qualquer justificação que não o género.

A desigualdade remuneratória de género é um dos indicadores desta injustiça económica e social sobre as

mulheres. Em 2023, o Dia Europeu da Igualdade Salarial foi comemorado a 14 de novembro, data a partir da

qual, simbolicamente, as mulheres deixaram de ser pagas, devido à diferença salarial, que em 2021 era de

13,1 %, conforme calculado pelo Eurostat. A partir deste dia, é como se as mulheres trabalhassem gratuitamente

até ao final do ano.

Por as mulheres estarem mais representadas em profissões com salários mais baixos, 63 % das

trabalhadoras desempregadas tinham em 2022 prestações de desemprego que não iam além dos 500 euros,

valor inferior aos 551 euros do limiar de pobreza (Relatório de 2023 sobre pobreza e exclusão social – dados de

2022). A desigualdade de remunerações manifesta-se de forma mais aguda na velhice: 70,6 % das 134 mil 347

pessoas abrangidas pelo complemento solidário para idosos são mulheres (dados de outubro de 2023). Estes

exemplos destacam a necessidade de enfrentar a desigualdade remuneratória que está na base desta injustiça.

A aprovação da lei da igualdade remuneratória entre mulheres e homens por trabalho igual ou de valor igual,

Lei n.º 60/2018, de 21 de agosto, foi um passo positivo, mas a sua aplicação lenta e limitada nos instrumentos

ao seu dispor tem suscitado preocupações sobre a sua eficácia. Por esta razão, em março de 2023, o Grupo

Parlamentar do Bloco de Esquerda promoveu um debate público sobre «Género e Igualdade Salarial», com a

participação da investigadora Sara Falcão Casaca (coordenadora do estudo Os benefícios sociais e económicos

da igualdade salarial entre mulheres e homens), da presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no

Emprego, Carla Tavares, da Coordenadora da Comissão da CGTP-IN para a Igualdade entre Mulheres e

Homens, Fátima Messias, das ativistas Mafalda Brilhante, dos Precários Inflexíveis, e Anabela Rodrigues, da

Solidariedade Imigrante, bem como de várias ativistas feministas e sindicais.

Na referida audição, foram identificados vários aspetos a corrigir. Desde logo, o problema da recolha de

dados e das fórmulas mais adequadas de cálculo. Por exemplo, o Eurostat calculou uma diferença salarial de

género de 13 % em 2020. No entanto, a diferença do ganho/hora revela-se maior quando o cálculo do diferencial

remuneratório entre homens e mulheres é ajustado à idade, à escolaridade e à antiguidade, caso em que se

situa acima dos 19 % (cálculos de Sara Falcão Casaca a partir dos dados do GEP/MTSSS, Quadros de Pessoal,

2020). Esta metodologia permite apurar diferenças mais precisas e mais profundas. O diferencial agudiza-se

quando são tomados em conta prémios por assiduidade ou outros instrumentos discricionários, ou quando as

progressões na carreira dependem de avaliações de desempenho regulares, nas quais as mulheres são mais

prejudicadas devido a ausências por assistência à família. Acresce que, ao contrário da ideia comum de que a

desigualdade remuneratória de género seria algo que se ultrapassa com o passar do tempo, estudos recentes,

como O Retrato da população jovem portuguesa, apresentado nas Jornadas de Psicologia do Instituto

Universitário de Ciências da Saúde,apontam para um maior fosso salarial entre as trabalhadoras e os

trabalhadores mais jovens. Conforme comunicado por Rui Serôdio, professor da Faculdade de Psicologia e de

Ciências da Educação da Universidade do Porto e um dos coordenadores do estudo, os baixos salários afetam

a generalidade dos jovens: 65,6 % recebem menos de 1000 euros. Quando se cruza a variável idade com a

variável género, os salários são ainda mais baixos: as jovens ganham em média menos 26 % do que os jovens.

Além da temática das fórmulas de cálculo, foi discutida, na audição pública promovida pelo Grupo

Parlamentar do Bloco de Esquerda, a necessidade de clarificação da lei e da sua regulamentação. Algumas

participantes sublinharam na audição a urgência do reforço da transparência salarial, nomeadamente no que diz

respeito ao acesso dos sindicatos à informação. Outras, apontaram o problema dos longos prazos estabelecidos

para correção de desigualdades. Foram também discutidas, quer a necessidade do reforço dos meios de

fiscalização, nomeadamente da Autoridade para as Condições de Trabalho, quer a possibilidade da revisão das

penalizações por incumprimento das medidas previstas na lei. Entre os vários contributos, existem certamente

várias visões, mas há uma preocupação comum: reforçar os meios de combate à desigualdade remuneratória