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7 DE JUNHO DE 2024

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onde a pesca, o marisqueio ou a apanha de diversas espécies se pratiquem.

Dever-se-á, urgentemente, inverter o prolongado caminho de abates e destruição da frota, de alienação de

capacidade produtiva e de desperdício de oportunidades de criação de riqueza e de conhecimento e apostar

decididamente na valorização de toda a cultura associada ao setor piscatório, que tanto caracteriza as

comunidades ao longo da costa nacional, assim como um pouco por todo o país, em comunidades ligadas às

atividades extrativas desenvolvidas em águas interiores não marítimas.

Num País onde se consome, em média, 57 kg de pescado per capita/ano, o que nos coloca como o maior

consumidor de pescado da UE e o terceiro maior do mundo, desmantelar de forma evidente e prolongada o

setor piscatório nacional, essencialmente ao longo dos últimos 40 anos, fruto da política comum das pescas

imposta pela UE e aceite pelo PS, PSD, CDS e quejandos, não é nem um caminho lógico e racional, nem é

um caminho que acautele os interesses do povo e do País, desde logo no que concerne ao reequilíbrio da

nossa balança alimentar e no quadro da necessária redução das importações destes produtos. Recorde-se

que, só em 2023, o défice da balança comercial de produtos da pesca ficou perto do mil e duzentos milhões de

euros.

Entre muitos fatores que impactam negativamente no desenvolvimento das pescas nacionais, uns de

ordem estrutural, outros de ordem conjuntural, a questão da diferença de preços praticados na primeira venda

em lota e os preços praticados ao consumidor final é uma das principais causas que afeta os rendimentos dos

trabalhadores da pesca, das empresas do sector e o equilíbrio necessário para reconstruir um sector com

horizontes de futuro.

No ano de 2023, o índice de preços ao consumidor subiu 4,2 %, enquanto os preços praticados na primeira

venda em lota tiveram uma desvalorização de 6,4 %. Quer isto dizer que as grandes superfícies, num contexto

de enormes dificuldades para esmagadora maioria das famílias portuguesas, com o custo de vida a disparar

em todas as suas dimensões, conseguiram comprar ao produtor o pescado mais barato que em 2022, para

vendê-lo substancialmente mais caro ao consumidor final. A natureza exploradora e desumana do oligopólio

da grande distribuição tem nesta realidade mais um exemplo, a que se poderiam juntar os aproveitamentos

indevidos do chamado «IVA Zero» ou os lucros recorde em anos de acentuada perda de poder de compra das

famílias.

Esta injusta distribuição da riqueza criada ao longo da cadeia de valor dos produtos da pesca é sentida

com ainda maior significado em determinadas espécies, designadamente na categoria dos pequenos

pelágicos. Frequentemente se pratica, nas grandes superfícies, preços de venda ao consumidor de cavala a 3

ou 4 euros/kg, de carapau a 5 euros/kg, ou mais, e a sardinha, designadamente na época estival, a quase 10

euros/kg. É, assim, ruinoso para consumidores e produtores constatar estes preços de venda ao mesmo

tempo que o preço destas espécies na primeira venda em lota, no ano de 2022, foram de 0,47 euros/kg para a

cavala, 1,44 euros/kg para o carapau e 1,07 euros/kg para a sardinha.

Por esta amostragem, cujas conclusões se mantêm analisando outras espécies, é fácil perceber o quão

desigual é o comércio de pescado no nosso país, ficando bem demonstrado quem é que realmente ganha em

manter este mercado liberalizado e sem qualquer controlo e proteção de rendimentos dos produtores.

Acresce ainda que a estratificação e segmentação dos preços das várias espécies na primeira venda em

lota, é feita com recurso a variáveis como o tamanho, a qualidade, a apresentação e frescura. Para a mesma

espécie, podemos encontrar múltiplos preços aplicados no mesmo dia de venda em lota. No entanto, a mesma

relação nunca, ou muito raramente, é espelhada da mesma forma ao consumidor final, o que torna a

comercialização e o mecanismo de formação de preço injusto e complexo.

Sem rendimentos justos não há a mínima possibilidade de fixar força de trabalho no sector.Sem relações

de trabalho equilibradas o resultado será sempre o mesmo que se tem verificado. Sem relações comerciais

justas não há forma de repartir equitativa e justamente a riqueza criada.

É destas desigualdades que resulta o emagrecimento do sector e a perda gradual da sua dimensão

económica e política e o enfraquecimento do seu reconhecimento social que, por sua vez, determina a

fragilidade de Portugal, agravada pelo quadro de absoluta claudicação nacional às políticas de pesca da UE

no que concerne à grande questão basilar e sem a qual nada funcionará – o acesso aos recursos haliêuticos.

Esta é a ponta de um novelo que importa ir desenrolando, tendo em conta que poderá ser uma das chaves

que poderá abrir as portas para o sector das pescas que o País efetivamente precisa.