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II SÉRIE-A — NÚMERO 52

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associadas a rituais de início da vida adulta, de preservação da virgindade da mulher, de preservação da sua

pureza e de controlo da sua sexualidade/diminuição de líbido sexual.

De acordo com as estimativas da UNICEF e do Fundo de População das Nações Unidas, pelo menos 230

milhões de meninas e mulheres de 31 países em três continentes foram submetidas à mutilação genital feminina

e que a cada ano mais de 4 milhões de meninas estão em risco de ser submetidas a esta prática. Sublinhe-se,

de resto e de acordo com estas entidades, a crise sanitária provocada pela COVID-19, ao fechar escolas e

interromper programas que ajudam a proteger as meninas desta prática, levou a que até 2030 possa haver um

aumento de meninas e mulheres submetidas a esta prática na ordem dos 2 milhões.

Atendendo ao caráter nefasto desta prática tradicional, várias são as disposições internacionais que apontam

para a necessidade de se assegurar o seu fim. Em 2008, a Assembleia Mundial da Saúde, órgão decisório da

Organização Mundial de Saúde, aprovou a Resolução WHA61.16 sobre a eliminação da mutilação genital

feminina que enfatizava a necessidade de uma ação concertada e holística em todos os setores (saúde,

educação, finanças, justiça e assuntos das mulheres) como caminho para pôr fim a esta prática. Por seu turno,

no âmbito da Meta 5.3 da Agenda de Desenvolvimento Sustentável 2030, os Estados-Membros da ONU

comprometeram-se a acabar com a mutilação genital até 2030, e esta é uma prática violadora de diversos

instrumentos jurídicos internacionais.

Após décadas de esforços de sensibilização para o caráter nefasto destas práticas liderados por

organizações da sociedade civil e grupos comunitários, em 2015, a Gâmbia aprovou legislação que proíbe a

mutilação genital feminina, por via de uma emenda da Women’s Act de 2010 que previu a punição com pena de

prisão de três anos, multa ou ambas para quem seja responsável pela violação desta proibição ou que tendo

conhecimento dessa violação não a denuncie.

A aprovação desta proibição constituiu um avanço muito importante num país, onde, de acordo com a

UNICEF, cerca de 46 % das raparigas com idade igual ou inferior a 14 anos foram submetidas a mutilação

genital feminina e esta percentagem sobe para 73 % no caso das raparigas e mulheres entre os 15 e os 49

anos. Desde que esta prática tradicional nefasta foi proibida na Gâmbia, em 2015, apenas dois casos foram

julgados e a primeira condenação por prática só foi feita em agosto de 2023 – e mesmo assim em termos pouco

consistentes com as disposições legais.

Em vez de avançar e aplicar esta importante lei aprovada em 2015 e de se adotarem políticas abrangentes

para capacitar as organizações não governamentais e as meninas e mulheres para exercerem os seus direitos,

no dia 4 de março de 2024 o Deputado Almameh Gibba apresentou na Assembleia Nacional da Gâmbia um

projeto de lei – a Women's (Amendment) Bill 2024 – que pretende revogar as Secções 32A e 32B do Women’s

Act e reverter a proibição da mutilação genital feminina aprovada em 2015. O proponente afirma querer proteger

a «pureza religiosa e salvaguardar normas e valores culturais» e a liberdade de culto e justifica a sua iniciativa

com o facto de esta ser «uma prática profundamente enraizada nas crenças étnicas, tradicionais, culturais e

religiosas da maioria do povo gambiano», particularmente no contexto do Islão. No passado dia 18 de março,

esta iniciativa legislativa foi submetida a votação na Assembleia Nacional da Gâmbia, que por maioria aprovou

o envio desta lei para discussão em comissão parlamentar, adiando a eventual aprovação final no mínimo por 3

meses.

Caso venha a aprovar esta alteração ao Women’s Act, a Gâmbia tornar-se-á no primeiro país do mundo a

reverter a proibição da mutilação genital feminina e dará origem a um retrocesso sem precedentes em matéria

de direitos humanos e dos direitos das mulheres.

Para além disso, na opinião do PAN, se se aprovar esta alteração, a Gâmbia estará a violar diversos

instrumentos jurídicos internacionais a que está vinculada e o princípio da dignidade humana vertido na

Constituição deste país. Desde logo, a legalização e despenalização da mutilação genital feminina viola de forma

clara as disposições da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as

Mulheres, da Convenção sobre os Direitos da Criança, da Carta Africana sobre os Direitos e o Bem-Estar da

Criança, do Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos das Mulheres em

África (Protocolo de Maputo) e da Agenda 2063 da União Africana, todos ratificados pela Gâmbia, bem como o

compromisso, assumido por este país na Meta 5.3 da Agenda de Desenvolvimento Sustentável 2030, de eliminar

esta prática tradicional até 2030.

A justificação de que esta reversão se deve a razões culturais ou religiosas deve também, na opinião do

PAN, ser liminarmente afastada, não só porque não encontramos qualquer referência à mutilação genital