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II SÉRIE-A — NÚMERO 103

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garantindo a sua resiliência a distúrbios, expansão (com novas rearborizações, por exemplo) e continuação

dos processos de sucessão e regeneração ecológica em curso. Por outro lado, deve integrar medidas de

conservação em áreas onde esta não é o foco, como a criação de medidas de suporte à biodiversidade em

territórios destinados à produção.

A geografia do País, o interior cada vez mais despovoado, as políticas de ordenamento do território, o

modo como a propriedade dos terrenos está organizada, a sua desvalorização (com impactos diretos na sua

deficiente gestão e limpeza e consequente acumulação de biomassa), a falta de meios de combate, os efeitos

das alterações climáticas e a prática de atos criminosos criam uma tempestade perfeita, tornando Portugal um

país onde o verão é sinónimo de incêndios.

Também as decisões políticas sobre a utilização e ocupação do território, entre as quais se contam as

monoculturas de eucaliptos e pinheiros, e a crescente urbanização junto a áreas florestais, muitas vezes sem

um ordenamento adequado, são de relembrar e de reavaliar. Um território resiliente é um território biodiverso,

povoado de espécies arbóreas, privilegiando a preservação da floresta nativa e a plantação de espécies pouco

inflamáveis que ajudem a criar barreiras naturais ao fogo e que, na eventualidade de um evento, possam

ajudar o território a recuperar.

Importa, no entanto, relembrar o papel que as alterações climáticas têm tido e continuarão a ter na

proliferação descontrolada destes fogos que, de outra forma, dificilmente atingiriam tais dimensões e/ou

seriam mais facilmente controlados. Se é verdade que as alterações climáticas são um problema à escala

global, com impactos que ultrapassam fronteiras e soluções que necessitarão do compromisso e ambição

política de todos os líderes mundiais, não é menos verdade que Portugal tem o dever e a capacidade de agir à

sua escala e preparar o seu território e população o melhor possível para lidar com este fenómeno.

A complexidade das relações entre as alterações climáticas e incêndios de grandes proporções adensa-se,

porque, para que Portugal alcance a neutralidade carbónica até 2050, é necessário aumentar a capacidade de

sumidouro de carbono para 13 Mt.p.ano, valor que implica uma redução da área anualmente afetada por

incêndios rurais para mais de metade1. A floresta é, portanto, fundamental também para cumprirmos as metas

nacionais e internacionais de descarbonização.

Os impactos dos incêndios, no entanto, não se esgotam na perda de vidas e propriedades. Também para a

natureza a passagem do fogo tem consequências desastrosas e duradouras, como a perda de biodiversidade,

disrupção de cadeias alimentares inteiras, degradação dos solos e das águas subterrâneas, alterações nos

ecossistemas locais e enfraquecimento da capacidade do território de se autorregenerar sem intervenção

humana.

Os impactos decorrentes de um fogo também não se cingem ao próprio incêndio. Também nas fases

seguintes, os impactos podem ser consideráveis, como aconteceu em setembro de 2022 com as chuvas

torrenciais que se abateram no centro de Portugal e que provocaram danos em algumas áreas da Serra da

Estrela com encostas particularmente fragilizadas pelos fogos do mês anterior2. Urge que quaisquer medidas

de estabilização dos terrenos decorram antes do inverno.

Sabe-se já que, nas áreas recentemente atingidas por incêndios florestais, a Agência Portuguesa do

Ambiente (APA) e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), em cooperação com os

municípios, estão a desenvolver um plano estruturado de recuperação. Este plano foca-se, essencialmente, na

regeneração das bacias hidrográficas afetadas, com o objetivo de restaurar o equilíbrio ambiental e de

prevenir futuras degradações ecológicas resultantes dos incêndios3.

Portugal deve aplicar o Regulamento (UE) 2024/1991 de 24 de junho de 2024, relativo ao restauro da

natureza e que altera o Regulamento (UE) 2022/869 – habitualmente designado como Lei do Restauro da

Natureza – e desenvolver e implementar um verdadeiro plano nacional de restauro contínuo, consequente e

sustentável, que priorize zonas críticas, combinando prevenção, conservação e mitigação dos efeitos das

alterações climáticas. A realidade é que o restauro ecológico aumenta a capacidade do meio de reduzir o risco

de fogos florestais. Restaurar ecossistemas degradados, promover a biodiversidade e devolver níveis tróficos,

com particular enfoque na herbivoria, cria uma paisagem mais resistente, resiliente e, consequentemente,

menos inflamável.

1 Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais 20-30, pág. 13. 2 https://pt.euronews.com/2022/09/13/deslizamentos-de-terras-na-serra-da-estrela. 3 https://www.ambienteonline.pt/noticias/apa-icnf-e-municipios-desenvolvem-plano-de-regeneracao-das-bacias-hidrograficas-impactadas-pelos-incendios.