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4 DE OUTUBRO DE 2024

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e stalkingoffline».

Da discussão da referida petição resultou a aprovação da Lei n.º 26/2023, de 30 de maio, a qual alterou o

artigo 193.º do Código Penal, antes chamado «Devassa por meio de informática», para passar a tipificar o

crime «Devassa através de meio de comunicação social, da internet ou de outros meios de difusão pública

generalizada». Esta alteração, infelizmente, ficou aquém da reivindicação do movimento feminista, e da

proposta do Bloco de Esquerda, de considerar este como um «crime contra a liberdade sexual», um crime que

deve ser público quando há divulgação pública. A Lei n.º 26/2023, de 30 de maio, colocou este crime no

capítulo dos «Crimes contra a reserva da vida privada» (Capítulo VII do Código Penal). Desta forma, o crime

depende de queixa da vítima, exceto nos casos em que «resultar suicídio ou morte da vítima ou quando o

interesse da vítima o aconselhe» (artigo 198.º do Código Penal).

Acresce que, ao nível da produção destes materiais, a captação ilícita de fotografias de natureza sexual e a

produção de vídeos falsos hiper-realistas (deep fakes), também não existe atualmente um enquadramento

adequado na lei penal. Quando a fotografia, a gravação e a manipulação de imagens e gravações são usadas

como forma de violência sexual, afigura-se como desajustada a mera aplicação do artigo 199.º do Código

Penal, relativo a gravações e fotografias ilícitas. Havendo fortes razões para que se avance para um melhor

enquadramento de todas as formas de violência sexual com base em imagens.

Como refere a posição darede de jovens para a igualdade quanto ao enquadramento legal da partilha não

consentida de conteúdos íntimos, «a violência sexual com base em imagens vai muito mais além de ofensas à

privacidade da vítima-sobrevivente, ferindo também a liberdade sexual e o livre desenvolvimento da

personalidade». Especificamente a partilha não consentida de conteúdos íntimos atinge não só a reserva da

vida privada, mas também «a liberdade sexual na medida em que a disseminação de conteúdos sexualizados

afeta profundamente a relação da vítima-sobrevivente com o seu corpo, a sua autoimagem e a sua identidade

sexual».

O que está em causa, portanto, não é o ato captado, mas o consentimento e a sua divulgação. Em

declarações ao jornal Público, Isabel Ventura, investigadora da Associação Portuguesa de Estudos sobre as

Mulheres e da Universidade do Minho, esclarece: «Eu até posso enviar uma fotografia nua ou seminua a uma

pessoa, mas isso não a autoriza a disseminá-la». E acrescenta que mesmo que a captação e divulgação de

imagens seja feita por desconhecidos, as consequências serão diferentes para homens e mulheres que nelas

aparecerem. «Há uma dupla moral sexual», diz a investigadora. «A exposição pública de nudez, atos sexuais

ou sexualizados provoca um downgrade na reputação das mulheres e um upgrade na reputação dos homens»

(Público, 2017/05/22).

Este é um crime contra a liberdade sexual que deve estar tipificado enquanto tal. E se, na simples gravação

ilícita, a vítima poderá defender-se melhor através da sua própria decisão sobre fazer ou não queixa, avaliando

o seu conforto ou desconforto com a inclusão da gravação como prova de um processo; o mesmo não sucede

quando as fotografias ou vídeos são amplamente divulgados. Frequentemente as vítimas passam muito tempo

até descobrir que foram alvo de partilha não consensual de material íntimo.

As pessoas que recebem ou encontram estas fotografias ou vídeos nem sempre têm conhecimento de

quem é a vítima, para a alertar, tornando impossível qualquer ação que trave a divulgação. Quando as vítimas

têm conhecimento, as ameaças e o medo da divulgação de mais materiais pode impedir a queixa. Pelo que,

considerada a divulgação pública destes materiais, a perseguição penal da partilha não consensual de

material íntimo ganha objetivamente em que qualquer pessoa possa fazer queixa, garantindo à vítima, em

determinadas circunstâncias, a decisão sobre eventual suspensão do processo.

É importante referir que, em agosto de 2024, foi divulgada pela imprensa a existência de um canal

português no Telegram onde 70 mil homens partilham todos os dias vídeos e fotografias não consentidas. O

canal Pussylicious divide-se em dezenas de tópicos, dedicados a localidades ou catalogações («Feia, mas até

comia…», «Tugas desconhecidas», «Namoradas de amigos»). Ao nível de celebridades, tem imagens

geradas por inteligência artificial. A notícia refere ainda a existência de outro canal, chamado Pussylga, «onde

muitas mulheres viram, e continuam a ver, a sua intimidade exposta na internet, de forma completamente

impotente». Refere-se ainda que, «apesar das queixas das vítimas à justiça, o grupo continua ativo e a

acumular cada vez mais membros» (Sara Lopes, NIT, 23/08/2024).

O enquadramento, cada vez mais necessário, destes comportamentos como crimes contra a liberdade

sexual está em consonância com a Diretiva Europeia de 14 de maio de 2024 relativa ao combate à violência