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II SÉRIE-A — NÚMERO 124

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Por sua vez, a Ordem dos Advogados dá parecer favorável às alterações propostas, ressalvando, no

entanto, o previsto no n.º 2 do artigo 178.º, que, apesar disso, «não retira nem inquina a bondade das

alterações propostas».

Sobre este aspeto referem que «lamentavelmente a redação proposta, pese embora servir os propósitos de

garantir a tal válvula de escape, de valorar a vontade livre e esclarecida da vítima de não prosseguir os autos

criminais contra o seu/sua agressor/a, não é feliz e é até bastante intricada.

Ora, sempre que os procedimentos criminais sejam iniciados por iniciativa do Ministério Público nos crimes

p. e p. nos artigos 163.º (Coação sexual), 164.º (Violação), 165.º (Abuso sexual de pessoa incapaz de

resistência), 167.º (Fraude sexual) e 168.º (Procriação artificial não consentida), prevê-se que a vítima, a todo

o tempo, tenha a capacidade de requerer o arquivamento do processo, só sendo recusado tal arquivamento

quando o Ministério Público através de despacho fundamentado considere que o «prosseguimento da ação

penal é o mais adequado à defesa do interesse da vítima e que o pedido se deveu a qualquer tipo de

condicionamento por parte do arguido ou de terceiro, caso em que deverá promover sempre a aplicação das

medidas necessárias à sua proteção contra eventuais retaliações ou coação».

Ora, se cumpre, inclusivamente, os desideratos das boas práticas sugeridas pelos diversos grupos de

estudo e da própria Convenção de Istambul, não se preveem, porém, com esta redação do n.º 2, critérios

objetivos que possam orientar a busca do Ministério Público, um verdadeiro esforço de investigação e análise,

das verdadeiras razões e condições de exercício desta válvula de escape, que idealmente se espera que

ocorra com base em reais condições de discernimento e uma vontade manifestada de forma livre e

esclarecida».

PARTE II – Opinião da Deputada relatora

A relatora do presente parecer reitera a opinião vertida em pareceres anteriores relacionados com

iniciativas com propósitos semelhantes, discordando da opção de atribuir natureza pública a estes crimes.

No que respeita à outorga de natureza pública, ainda que pretensamente mitigada, julga-se conveniente

uma curta revisitação da reflexão vertida na monografia O Direito Processual Penal Português em Mudança −

Rupturas e Continuidades1.

O princípio da oficialidade vale de modo pleno relativamente aos crimes públicos, mas conhece as

limitações decorrentes da consagração generosa da necessidade de queixa do ofendido para a instauração do

procedimento criminal e, com menor frequência, da exigência de acusação particular para a sujeição do caso a

julgamento2.

Tais desvios à oficialidade têm sido explicados fazendo apelo a vários critérios, nomeadamente a menor

gravidade de certos ilícitos, a qual tornaria desnecessária a intervenção punitiva estadual se o ofendido a não

reclamar, supondo-se ainda que o reduzido desvalor da conduta não causa significativo abalo comunitário.

Mas, por outro lado e mesmo em crimes mais graves, a exigência de queixa configura-se ainda como um

reconhecimento da autonomia da vontade do ofendido em não ver expostas no processo penal questões que,

por serem eminentemente atinentes à sua intimidade ou à sua privacidade, poderiam com a sua revisitação

num processo penal indesejado levar a uma intensificação ou a uma revisitação da ofensa. Ou seja: os crimes

particulares em sentido amplo não são, necessariamente, apenas os crimes menos graves. Haverá casos em

que se poderá entender que, apesar da manifesta gravidade do crime, a existência do processo criminal

deverá depender da queixa do ofendido, mormente porque um processo indesejado lhe causará uma

desproporcionada vitimização secundária e porque o seu interesse na modelação da resposta ao crime é

preponderante face ao interesse comunitário na punição.

1 Cfr. CRUZ SANTOS, Claúdia, O Direito Processual Penal Português em Mudança − Ruturas e Continuidades, Almedina: 2020, sobretudo p. 103 ss. 2 Na opinião de José de Faria Costa, a existência de crimes particulares em sentido estrito é «um dos afloramentos mais expressivos e sintomáticos do horizonte do consenso» (ideia que pode ser, pelo menos até certo ponto, aplicável aos crimes semipúblicos). Todavia, julga-se que, diversamente do que sucede com a suspensão provisória do processo ou com o processo sumaríssimo, esse consenso ocorre de certo modo «à margem» do processo penal. A especificidade desse consenso inerente aos crimes particulares é vista pelo autor também como «um reforço da componente vitimológica na apreciação e realização da justiça» – é reconhecido por José de Faria Costa, (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Dir. Jorge de Figueiredo Dias, comentário ao artigo 207.º CP, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 124).