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21 DE OUTUBRO DE 1989

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Declaração de voto do PCP

O relatório da Comissão de Inquérito à forma como se realizaram os negócios jurídicos de aquisição, pelo Ministro das Finanças, de apartamentos no Lumiar e nas Amoreiras, em ambos os casos beneficiando de isenção de sisa — elaborado e aprovado exclusivamente pelos deputados do PSD—, é, manifesta e comprovadamente, uma deturpação consciente, voluntária e pedestre da matéria de facto e de direito provada na Comissão.

0 relatório omite matéria de facto (e de direito) decisiva para a cabal e séria apreciação da forma e dos métodos utilizados para que a administração fiscal fosse iludida e o Ministro das Finanças tivesse acesso a benefícios materiais excepcionais e ilegais.

Mas o relatório do PSD não se limita às omissões deturpadoras da verdade. Integra múltiplas falsidades gritantes, cala falsas declarações prestadas pelo Ministro à Comissão e pretende estabelecer doutrina fiscal para ilibar o Ministro, para o eximir da obrigação de pagar impostos que o cidadão comum, em igualdade de circunstâncias factuais, é obrigado a cumprir.

Inversamente àquilo que é o estrito dever (democrático, político e ético) de uma comissão de inquérito, qual seja o de promover a prova de facto e de direito, para dela retirar as respectivas conclusões, os deputados do PSD estabeleceram aprioristicamente as conclusões que pretendiam tirar, daí partindo para a elaboração de um relatório que despudoradamente lhes pudesse dar, ainda que de forma canhestra, alguma réstia de aparente suporte.

Com a sua actuação, os deputados do PSD presentes na Comissão terão prestado um bom serviço político ao Ministro das Finanças e ao Governo. Mas, in-desmentivelmente, prestaram um péssimo serviço às instituições democráticas e contribuem, voluntariamente, para denegrir a credibilidade e seriedade da Assembleia da República.

Os deputados do Grupo Parlamentar do PCP que integraram a Comissão de Inquérito votaram contra o relatório e as conclusões elaboradas e aprovadas pelos deputados do PSD porque —tal como clara e seriamente resulta da matéria provada, que se anexa à presente declaração de voto, dela fazendo parte integrante— consideram em consciência que a verdade não permite senão as seguintes conclusões:

1 — O Ministro das Finanças ocultou à administração fiscal que desde a data do contrato-promessa de compra e venda do andar do Lumiar (23 de Dezembro de 1985) passou a exercer sobre o mesmo os poderes de um verdadeiro proprietário, o qual por isso foi transmitido para a sua esfera jurídica —tradição—, com todas as consequências jurídicas.

No plano fiscal isso implicava o pagamento de sisa por o valor contratado ser superior ao limite de isenção então em vigor (5 000 000$). Furtou-se, assim, ao cumprimento das suas obrigações fiscais e ficou incurso na penalidade prevista no artigo 157.° do Código da Sisa.

2 — Quanto ao Edifício Amoreiras, o Ministro Cadilhe furtou-se, igualmente, ao dever de liquidar a dívida que era devida no prazo de 30 dias, a contar da data em que o mesmo lhe foi transmitido.

O Ministro não podia beneficiar de isenção, porquanto, designadamente:

A lei exclui tal possibilidade quanto às aquisições em mero direito de superfície, como o ocorrido no caso;

O Ministro Cadilhe não operou uma verdadeira permuta que, para efeitos fiscais, exige que ocorra tradição de imóveis para ambos os per-mutantes, o que, como o inquérito provou, não aconteceu.

3 — Ao recorrer aos serviços de administração fiscal para obter consulta para o seu caso, através de intermediário, o Ministro das Finanças viciou o quadro fáctico com base no qual a administração fiscal emitiu parecer sobre a suposta legalidade da operação projectada. Foram omitidos elementos informativos decisivos, dos quais decorreria conclusão contrária à que foi emitida, a saber: que a habitação das Amoreiras iria ser adquirida em mero direito de superfície e que a tradição do mesmo já ocorrera.

A circular n.° 10/89 da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, sancionada pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, aliás exemplificando com o caso exposto pelo Ministro das Finanças, confirma inequivocamente pela inexistência de isenção nos casos de aquisição em direito de superfície.

4 — O tratamento fiscal de que beneficiou o Ministro é tanto mais chocante quanto é certo que a administração fiscal, entre 1983 e 1988 (e ainda em 1989, na mesma torre das Amoreiras em que se situa o andar do Ministro) impôs o pagamento de sisa em situações similares à do Ministro.

5 — O Ministro das Finanças beneficia de condições excepcionalmente favoráveis na aquisição do apartamento do Lumiar (quanto ao preço inicialmente contratado —o mais baixo de todos para as fracções com idêntica área, e quanto ao sinal e reforços até à escritura— gritantemente mais baixo que quaisquer outros). Ocorreu mesmo que o Ministro Miguel Cadilhe foi o único condómino em que a empresa vendedora pagou à Caixa Geral de Depósitos parte do expurgo (por a fracção estar hipotecada) por esta exigida para desipotecar a fracção.

6 — Existe nos autos vasta prova indiciária de que o Ministro e os que com ele celebraram o negócio organizaram, executaram e procuraram dissimular a verdadeira natureza do negócio jurídico que permitiu a Miguel Cadilhe tornar-se detentor de um andar nas Amoreiras.

Os documentos e depoimentos indiciam que concatenaram e calendarizaram duas compras e vendas que, para efeitos fiscais, fizeram passar por permuta, o que, nos termos da lei, constitui simulação, infringindo a lei.

7 — Sendo certo que sete meses e meio após a escritura do apartamento das Amoreiras em benefício do Ministro das Finanças a Repartição de Finanças do 8.° Bairro Fiscal, anomalamente, continuava a desconhecer oficialmente aquela transmissão, ficou (por ter decorrido o prazo de seis meses para tal previsto) impossibilitada de apurar se o valor declarado pelo Ministro era inspirador de suspeitas fundadas sobre a sua veracidade.