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5 DE JULHO DE 1999

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Por mim já sei que o Esteves tanto ataca à esquerda como à direita e de novo me interrogo se será por dinheiro.

Em Dezembro de 1981-Janeiro de 1982, quando sou Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional do Governo do Dr. Francisco Balsemão, recebe-se no meu Gabinete, na Rua de Gomes

Teixeira, um telefonema do José António dos Santos Esteves, aflito com falta de dinheiro, que pede umas centenas de contos. Recuso. Dois dias depois José António dos Santos Esteves volta a telefonar. Se não lhe arranjar de imediato o dinheiro ou um emprego, ele fará um escândalo nos jornais, contra mim. Mando responder que não cedo a ameaças.

No dia 25 de Janeiro de 1982, o jornal O Diário publica uma extensa notícia, em grandes parangonas, acusando-me de ter sido eu que mandei incendiar a Casa de Angola, que tinha ardido tempos antes. Fonte única da notícia: o Sr. José António dos Santos Esteves, que faz declarações, acusa, dá pormenores, inventa calúnias. Diz mal de mim e do CDS, que o expulsámos por ser bombista e partidário da luta armada, e põe na nossa boca as conversas que ele tinha na altura em que esteve no CDS. «Põe-se uma bomba aqui, quando é que se faz uma bomba ali», eram estas as conversas democráticas que havia diariamente dentro daquele partido, quem o diz é José António dos Santos Esteves na reportagem do jornal O Diário.

Afinal, o Esteves calunia por dinheiro. Será que põe bombas por dinheiro? Será que um dia matou ou matará por dinheiro?

Desta vez decido-me a recorrer à justiça e peço ao meu colega e amigo Dr. Rui Pena para processar O Diário. O processo chega ao seu termo e o jornal é condenado. O tribunal considera não provado que eu tinha tido qualquer influência no incêndio da Casa de Angola.

Ano de 1982, prosseguem as investigações sobre o caso Camarate. A Direcção-Geral da Aeronáutica Civil e a Polícia Judiciária haviam já concluído que não havia nenhum crime na origem do desastre. Eis senão quando, em 1982, uma organização clandestina, denominada CODECO — isio diz o despacho final do Ministério Público, a p. 266— informou em comunicado que o avião havia sido sabotado por meio de estrangulamento das tubagens de combustível e que um tal José António dos Santos Esteves teria informações relevantes sobre o assunto. O Ministério Público afasta rapidamente esta pista porque terá averiguado que as tubagens de combustível estavam intactas e sem quaisquer obstruções (p. 266). Mas afirma, coisa estranha, que não foi possível apurar qualquer ligação entre os CODECO e José António dos Santos Esteves quando já se declarara ao jornal O Diário que era o chefe do destacamento de operações especiais dos CODECO. Como é que o Ministério Público pode vir dizer que não consegue apurar nenhuma ligação entre o José António dos Santos Esteves e os CODECO é também para mim motivo de grande surpresa. Admito perfeitamente que o tal aspecto técnico das tubagens não se tivesse revelado ser verdadeiro, mas o comunicado continha um elemento precioso, era a notícia, suponho que pela primeira vez, depois haveria muitas mais, de que um tal José

António dos Santos Esteves sabia tudo sobre Camarate.

Duas hipóteses, a meu ver, se podem admitir aqui. Ou alguém dos CODECO quis implicar José António dos Santos Esteves ou, como me parece mais provável pelos termos do comunicado, o próprio José António dos Santos Esteves quis começar a falar sobre Camarate. De facto, começou a falar sobre Camarate nessa altura e nunca mais se calou até hoje. Talvez fosse a necessidade psicológica de começar a confessar o crime ou uma tentativa de arranjar mais dinheiro à custa de revelações e de ameaças bem doseadas.

Como reconhece o autor do despacho final do Ministério Público, é neste comunicado dos CODECO que o nome de José António dos Santos Esteves aparece ligado ao desastre de Camarate. Primeiro, ele é o homem que sabe tudo. Depois, é expressamente acusado de ter sido autor ou co-autor do atentado (depoimentos de Farinha Simões e de João Murias, pp. 318-321). Curiosamente, segundo um dos depoimentos, em 1985. é o próprio José António dos Santos Esteves que numa casa de amigos confessa que foi ele o autor do crime e até diz a mando de quem. Haverá muita fantasia, mentira, megalomania, nessas declarações? E possível que sim, mas não posso deixar de verificar que desde 1982 o pobre do José António dos Santos Esteves anda a querer confessar o que fez ou o que sabe sobre Camarate e ninguém o leva a sério. Tenho que concluir que é um infeliz!

Uma última nota: lamentavelmente, de novo se nota no despacho final do Ministério Público sobre José António dos Santos Esteves o mesmo erro grave que atrás sublinhei a propósito da análise do suspeito Sinan Lee Rodrigues. Com efeito, ao concluir pela inverdade do principal depoimento que acusa José António dos Santos Esteves do crime de Camarate, o Ministério Pública afirma o seguinte: «Essas acusações vieram a revelar-se totalmente falsas.» E porquê? «Pelos depoimentos convergentes de José António dos Santos Esteves e das três pessoas que, segundo Murias, terão ouvido as alegadas revelações do primeiro, constata-se que a confissão do José António dos Santos Esteves não passou de uma invenção do próprio Murias. De resto, mesmo que tivesse existido tal confissão, ela teria sido desmentida por todas as pessoas alegadamente envolvidas no pretenso atentado.» (pp. 300-301.)

Peço licença à Comissão para repetir esta passagem. O Ministério Público considera que José António dos Santos Esteves não tem responsabilidades no atentado de Camarate, no possível atentado de Camarate, primeiro, por que ele o desmente, segundo, porque isso foi desmentido por todas as pessoas alegadamente envolvidas no pretenso atentado. Ou seja, segundo o Ministério Público, as acusações feitas contra José António dos SarAra Esteves são falsas porque, primeiro, o próprio Esteves diz que é inocente, segundo, os seus amigos íntimos dizem que ele é inocente e, terceiro, todas as pessoas alegadamente envolvidas no pretenso atentado dizem que ele é inocente e também que elas são inocentes! E é com base nisto que o Ministério Público conclui que José António dos Santos Esteves é inocente! Ou seja, parece que, cie acordo com o Ministério