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5 DE JULHO DE 1999

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RELATÓRIO N.° I

Análise aos processos elaborados pelos Tribunais de Instrução Criminal de Lisboa e de Loures e do relatório da V Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar ao chamado acidente de Camarate elaborada a pedido da VI Comissão Parlamentar.

Uma análise atenta da investigação oficia! do caso Camarate permite concluir que a atitude dos responsáveis pela condução e apreciação dos processos — Ministério

Público do Tribunal de Instrução Criminal de Loures e Juízo do TIC de Lisboa— apresenta uma singularidade curiosa: todos os testemunhos, depoimentos e pareceres que de alguma forma contradizem a tese de um acidente são vigorosamente rebatidos, procurando-se encontrar falhas, contradições ou reduzi-los a testemunhos isolados ou pouco credíveis.

E assim feito em relação aos depoimentos de várias testemunhas oculares que declararam ler observado uma explosão ou incêndio durante a fase ascensional do voo, seguida da queda em Camarate.

E assim feito em relação aos depoimentos dos radiologistas que observaram radiografias dos pés dos pilotos e afirmaram que os vestígios de fragmentos estranhos não podiam apenas ser provenientes de ligas de alumínio, constituinte maioritário da estrutura do avião.

É assim feito em relação aos depoimentos de professores do Instituto Superior Técnico que coligem as informações disponíveis sobre vestígios dc materiais queimados provenientes do aparelho espalhados entre a pista e o local da queda e concluem que o avião já se encontrava a libertar fragmentos em voo; o Procurador da República do Tribunal de Instrução Criminal de Loures dedica-se a uma laboriosa série de raciocínios ao largo de 12 páginas do processo (pp. 145-157), procurando encontrar discrepância nos elementos de base, recolhidos pela Polícia Judiciária e pela Direcção-Geral da Aeronáutica. Civil.

É assim feito pelo juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, que vai ainda mais longe, pois tenta contraditar o parecer técnico dos professores do Instituto Superior Técnico com o relato de uma testemunha visual que afirma ter observado uma «bola de fogo e grande explosão» quando o avião ainda sobrevoava a pista. Diz o juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa:

Afigura-se-nos difícil [...] a sua interligação com a prova testemunhal, [...] pois a dimensão do fenómeno traduzida em tais expressões não é compatível, parece-nos, com a libertação de objectos constituídos exclusivamente por papel queimado e fragmentos de têxteis.

Trata-se assim de contraditar um parecer técnico com base num implícito dimensionamento da «bola de fogo» referido pela testemunha, a mesma que anteriormente, para efeitos de indício da existência de incêndio antes da queda em Camarate, é pouco valorizada pelo mesmo juiz, que dele concluiu:

A prova testemunhal lavrada para os autos não permite que se julgue, com o mínimo de certeza e segurança indiciada, qualquer deflagração e ou visualização de incêndio no avião em qualquer fase do seu voo.

Assim, um testemunho visual que não serve para indiciar suspeita de acto criminoso serve já para rebater os cálculos dos professores de Aerodinâmica e Combustão do IST!

Mais grave ainda é que para além destas testemunhas existem, segundo o relatório da V Comissão Parlamentar, mais 10 que afirmam terem visto o avião em chamas antes de atingir o solo. Este facto por si só seria suficiente para

anular a tese de falha mecânica como causa para a cjueda do avião.

Os pareceres que apontam para a hipótese de acidente, em grande parte fundamentada no facto de não terem sido encontrados vestígios físicos de explosão a bordo, merecem a rápida aceitação das autoridades conforme abundantemente se pode demonstrar pela consulta dos autos.

A pesquisa de vestígios físicos ou químicos de alguma explosão constituem o objectivo prioritário dos processos.

Dadas as circunstâncias de ter havido um grande incêndio que destruiu o cockpit, carbonizou as vítimas c terá chegado mesmo a fundir alguma chapa de liga de alumínio, a probabilidade de existência de vestígios químicos de eventuais produtos resultantes da deflagração de um engenho explosivo seria decerto uma hipótese bastante remota.

Apesar de difícil de detectar, a presença de um traço de natureza química (orgânica ou inorgânica), se for encontrada, então ela deveria ser seriamente tomada em consideração. Ora acontece que tais vestígios, embora escassos, foram efectivamente encontrados. Referimo-nos à presença dè sulfato de bário primeiramente e de traços de nitroglicerina e nitrocclulose já em 1995.

Estes vestígios químicos são sempre susceptíveis de serem postos em causa, havendo vontade para isso: basta levantar a hipótese de terem resultado do transporte anterior das respectivas substâncias pelo avião, ou de a sua eventual presença ser o resultado da decomposição de constituintes de alguma parte do aparelho.

A explicação dada para não considerar relevante a presença de sulfato de bário nos destroços do aparelho, se fosse generalizada pelos investigadores, eliminaria grande parte das provas materiais encontradas em qualquer processo de investigação:

[...] Não sendo o sulfato de bário um composto específico de engenhos explosivos, incendiários ou mistos, a detecção desse composto numa única amostra não é conclusiva quanto à sua origem. Apesar do incêndio, pretende o juiz, sem qualquer fundamento, que o produto químico «suspeito» devia estar espalhado por outras peças. No entanto o bário aparece noutras amostras, como é referido no processo, e o facto de não ser associado ao anião sulfato pode apenas resultar de o método de análise usado não o ter permitido detectar. (Este seria um aspecto a verificar, isto é, se os indícios encontrados de Ba não associados ao sulfato resultam deste elemento estar combinado com outra substância, ou de simplesmente o processo de análise não ter sido dirigido à identificação do anião sulfato).

Apesar disso o juiz consegue daqui retirar ilações seguras. Existem, contudo, pistas mais difíceis de eliminar ou de serem postas em causa.