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II SÉRIE-B — NÚMERO 58

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As exceções para a TAP

O Decreto-Lei n.º 39-B/2020, de 16 de julho, não continha apenas disposições relativas à compra de

participações sociais na TAP, SGPS. Ele isentava também a TAP, SGPS, e «sociedades por si, direta ou

indiretamente, detidas» de obrigações previstas no regime jurídico do setor público empresarial e no estatuto

do gestor público (EGP). No primeiro caso, a TAP foi dispensada de cumprir as normas relativas ao

endividamento (artigos 27.º e 29.º). No segundo caso, excluiu-se a Comissão de Recrutamento e Seleção para

a Administração Pública (CRESAP) do processo de seleção de gestores (artigo 12.º e os n.os 3 a 5 do artigo

13.º) e retirou-se limites às remunerações na empresa (Capítulo VI). Uma conclusão resulta destes factos: o

Governo não tinha dúvidas de que a TAP estava integrada no setor público empresarial e de que os seus

gestores se enquadravam no EGP, relativamente ao qual o Estado se limitou a abrir exceções.

A sujeição ao EGP foi, aliás, a razão apresentada publicamente para a renúncia dos administradores

Humberto Pedrosa e David Pedrosa. É na sequência destas saídas que o Conselho de Administração coopta

os novos vogais José Manuel Silva Rodrigues e Alexandra Margarida Vieira Reis, com efeitos a 30 de

setembro de 2020, deliberação ratificada na Assembleia Geral de 10 de novembro seguinte. Relembre-se que,

nesta Assembleia Geral, o Estado já tinha a maioria que o tornava determinante das decisões tomadas.

A 24 de junho de 2021, a Assembleia Geral anual da TAP aprovou, por unanimidade – sendo acionistas: o

Estado, através da DGTF, e a TAP, SGPS (detida pelo Estado em 75 %) –, um voto de confiança nos órgãos

de administração em funções e a eleição dos órgãos sociais para o quadriénio de 2021-2024. Alexandra Reis

é reconduzida como membro do Conselho de Administração e da Comissão Executiva. Integra então a

Comissão de Vencimentos Pedro Ventura, subdiretor da DGTF e representante da Parpública.

Dias depois, a 8 de julho, a TAP anuncia a abertura de um processo de despedimento coletivo de 124

trabalhadores, que tinha sido já antecedido de «um conjunto de medidas laborais de cariz voluntário e

consensual para os seus colaboradores, nomeadamente rescisões por mútuo acordo, reformas antecipadas,

pré-reformas, trabalho a tempo parcial, licenças sem vencimento, bem como candidaturas a vagas disponíveis

na Portugália».

As regalias em período de cortes

Os salários dos administradores da TAP eram pagos pela holding TAP, SGPS, detida, entre 2020 e 2021,

pelo Estado. Excluir os administradores da TAP dos limites aos vencimentos previstos no EGP foi a intenção

primordial do Governo, inclusive durante o mandato em que já detinha a maioria do capital da empresa (2021-

2024). A decisão foi justificada sob o argumento do contexto concorrencial em que a TAP exerce a sua

atividade. Sucede que o EGP prevê e regula estas circunstâncias especiais. Ainda assim, o Governo impôs a

exceção.

Os estatutos da TAP, SGPS, encarregam a Assembleia Geral de «deliberar sobre as remunerações dos

membros dos órgãos sociais e definir a política de remunerações dos membros dos órgãos de administração,

incluindo os critérios e os parâmetros de avaliação de desempenho para aferição da componente variável da

remuneração, no caso dos administradores com funções executivas, podendo para o efeito, designar uma

comissão de vencimentos» (artigo 11.º). É clara a responsabilidade do Governo, enquanto acionista maioritário

da TAP, na definição da política remuneratória da companhia.

A informação disponível nos relatórios e contas indica que Alexandra Reis, e parte dos outros

administradores, recebiam o valor anual de 245 000 euros, decisão assumida pela Comissão de Vencimentos

e aceite pela Assembleia Geral. A presidente da Comissão Executiva (CEO, do inglês Chief Executive Officer)

recebe-a uma remuneração de 504 000 euros, tendo sido noticiado que Christine Ourmières-Widener beneficia

ainda de um regime fiscal mais favorável, associado ao regime do residente não habitual.

Fica assim exposta a desigualdade injustificável entre os valores milionários das remunerações dos

administradores da TAP e a realidade salarial da esmagadora maioria dos trabalhadores do grupo. Igualmente

claro é que o Estado, pela tutela que exercia na TAP, promoveu esta desigualdade. No entanto, não é só nas

folhas de vencimento que se constata o privilégio concedido à administração da TAP. É também conhecida a

decisão de renovar a frota de carros com veículos de luxo enquanto os salários dos trabalhadores eram

cortados e a empresa continuava em situação económica difícil e dependente de auxílios de Estado.