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II SÉRIE-C — NÚMERO 1

4 — Este comunicado do conselho de gerência da RTP, E. P., suscita ao Conselho de Comunicação Social, fundamentalmente, as seguintes observações:

4.1 — A alegação de que a «retirada da chamada 'entrevista histórica' do Humor de Perdição emitida em 5 do corrente foi determinada ao abrigo de certa alínea de uma cláusula do contrato celebrado entre a RTP e a produtora, salvo melhor opinião, não colhe. Não colhe na globalidade da questão e na importância e gravidade das suas implicações.

Sublinhe-se, aliás, que a RTP invocou um contrato que não é conhecido e que não deu a conhecer ao CCS.

De qualquer modo, um contrato comercial, obviamente, não se sobrepõe à Constituição e à Lei, designadamente a Lei n.° 23/83, de 6 de Setembro, que estabelecem, aquela e esta, a liberdade de expressão e o pluralismo.

4.2 — A alegação de que as «entrevistas históricas» contrariavam abertamente a Lei da Televisão, em especial a alínea a) do n.° 1 do seu artigo 3.°, que atribui à RTP o dever de «contribuir para a formação do povo português, defendendo e promovendo os valores culturais do País», também, salvo melhor opinião, não colhe.

Seria, primeiramente, necessário demonstrar, no plano legal, no plano cultural e mesmo no plano moral, que as referidas «entrevistas históricas» contrariam a formação do povo português e contrariam os valores culturais do País.

Trata-se da aplicação de um critério subjectivo que parece ajuizar, e condenar, um programa de humor com critérios de verdadeiro e falso, culturalmente inadequados.

Trata-se de um critério aplicado a destempo, a posteriori.

Trata-se de uma decisão que viola o princípio

do pluralismo no sector público de comunicação social, que a Constituição, no seu artigo 39.°, estabelece e cuja salvaguarda atribui ao CCS.

Trata-se, finalmente, de uma deliberação que, para além da recomendação vinculativa do CCS, mereceu a condenação da generalidade da opinião. Considera-se, aliás, que, a ser legitima a decisão do conselho de gerência da RTP, este órgão de gestão teria estado a permitir a violação da referida disposição da Lei da Radiotelevisão ao longo de cerca de oito programas.

Considera-se ainda que o argumento publicamente invocado pelo conselho de gerência da RTP de que para a proibição do programa foi decisiva a quebra de sigilo relativamente a um encontro havido entre o director-coordenador de programas e o autor do programa — encontro no qual aquele director se comprometera a manter as «entrevistas históricas» — é contraditório.

Contraditório na medida em que, de duas uma: ou o que estava em causa era a referida violação da Lei da Radiotelevisão, e, nesse caso, o director de programas — que sempre se declarou (designadamente perante o CCS) em sintonia com o conselho de gerência — não poderia ter assumido o compromisso de manter as «entrevistas históricas», e não foi a alegada quebra de sigilo motivo deter-

minante; ou a alegada quebra de sigilo foi, conforme publicamente afirmou o conselho de gerência, motivo determinante da proibição e, assim sendo, não estava, de facto, em causa aquilo que mais tarde veio a constituir argumentação da RTP: a violação da Lei da Radiotelevisão.

4.3 — O CCS não defende, naturalmente, que

ao conselho de gerência da RTP não incumba, tal

como à Direcção de Programas daquele órgão do sector público de comunicação social, o dever de fazer respeitar a Lei da Televisão.

O CCS considera que o conselho de gerência se intrometeu ilegitimamente na programação ao mandar retirar, na ausência, e sem conhecimento do responsável por esse sector — conforme nos declarou o representante daquele órgão de gestão, perante o referido responsável — sequências de um programa por este aprovado.

4.4 — O CCS também não defende, naturalmente, que à RTP seja retirado o seu direito de decidir autonomamente sobre o conteúdo da programação, direito que a lei estabelece.

Esse direito não é, porém, evidentemente, absoluto.

Não pode sobrepor-se à Constituição e à lei.

Com efeito, só pode ser articulado com os princípios constitucionais e legais aplicáveis, designadamente com aqueles que garantem a liberdade de expressão e o pluralismo, e com as disposições legais que definem a autonomia dos directores de programação dos órgãos do sector público de comunicação social, relativamente ao conteúdo dos programas, face, por exemplo, aos órgãos de gestão.

Aliás, a RTP exerceu, quanto a este programa, na altura própria, com inteira liberdade, o seu direito. Escolheu o autor. Encomendou o programa. Teve, naturalmente, conhecimento prévio da sua estrutura, do seu estilo, da sua linguagem.

O caso põe-se, portanto, em outro plano: o de um acto de censura incidindo num programa aprovado, gravado e já publicamente definido e estabelecido.

4.5 — Alega o conselho de gerência que um dos dois fundamentos da sua deliberação foi a «necessidade de dissipar quaisquer dúvidas sobre o escrupuloso respeito por esta empresa das disposições constitucionais e legais que lhe impõem que actue com independência do Governo, da Administração e dos demais poderes políticos».

Nesta matéria, haveria que provar que a proibição de um programa em curso pode ser justificada com a necessidade de dissipar as referidas dúvidas.

Haveria, depois, que provar que o autor ou autores do programa em causa suscitou ou suscitaram essas dúvidas, de uma forma clara e expressa.

Numa palavra: parecerá estranho, como pareceu a largos sectores da opinião, que o conselho de gerência da RTP tenha de cortar programas em curso para provar que é independente.

4.6 — Não corresponde à verdade a alegação do conselho de gerência da RTP de que o CCS teria minimizado o que aquele órgão de gestão define como «grave atentado contra a independência da