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II SÉRIE-C — NÚMERO 22

Não é crível que, pelo menos no dia seguinte, dia 23, o mesmo continuasse na ignorância do que se passara na véspera em relação aos que foram transferidos para o Estabelecimento Prisional de Alcoentre.

Mesmo nesta altura (imediatamente a seguir ao fim do motim) ter-se-á apercebido, certamente, da exaltação de ânimos por parte de algum pessoal de vigilância e da iminência dos espancamentos. Assim, em vez de mandar um graduado a comandar a transferência de alguns reclusos para Alcoentre — como diz —, deveria ele próprio dirigir tal operação.

Parece transparecer que ao mesmo director escapa a direcção efectiva do pessoal de vigilância, que será, na realidade, dirigido, sim, pelas respectivas chefias (chefe e alguns subchefes).

Nesta medida, o director, pela sua passividade e falta de firmeza perante o pessoa] de vigilângia, terá tido culpa no que se passou, e no que já se estava a passar, quanto às agressões físicas aos reclusos e quanto ao mau comportamento, em geral, de alguns elementos daquele pessoal para com estes.

Ordens de serviço não bastam: é necessário que os directores prisionais vigiem, efectivamente, não só os presos mas também os seus subordinados, sobretudo o pessoal de vigilângia.

É evidente que tal desejável eficácia de acção tem de ser ditada pelo bom senso e pelo sentido de equilíbrio. Na realidade, há dois campos opostos: o dos reclusos, por um lado, o do pessoal de vigilância, por outro. Não deve um director prisional desautorizar sistematicamente este perante aqueles, só porque lhe chegam queixas, por vezes infundadas e até feitas de má-fé.

Tal procedimento conduziria ao caos prisional e os reclusos entrariam em autogestão.

Feita esta reserva, a gravidade dos acontecimentos em Vale de Judeus reclamava medidas eficazes e urgentes por parte do director, o que não foi feito.

Não pode deixar de se mencionar que o dito director não opôs qualquer obstáculo à realização do presente inquérito, dando sempre pronta satisfação às solicitações que lhe fazia no sentido de possibilitar a efectivação de todas as diligências que julguei úteis na descoberta da verdade dos factos.

15 — Em face do exposto, proponho:

à) Se tomem as medidas adequadas no sentido de, nas instâncias competentes, serem instaurados respectivos processos disciplinares e criminais contra os indicados agressores;

b) Se recomende ao director-geral dos Serviços Prisionais que tome as medidas necessárias no sentido de casos como o do Estabelecimento Prisional de Valde de Judeus não voltem a repetir-se, ali nem em qualquer outro estabelecimento prisional português, nomeadamente, quer através de exercido efectivo do poder disciplinar, sempre que se mostre necessário, quer diligenciando seriamente no sentido de os estabelecimentos prisionais portugueses serem

dotados de melhor assistência médica e de enfermagem e de maior número de técnicos de orientação escolar e de reinserção social;

c) Se arquive o presente processo de inquérito, logo que todas as medidas acima preconizadas se concretizem.

3 — Ainda no meio da instrução do processo, o Provedor de Justiça, face a uma tentativa de fazer regressar o recluso ao Estabelecimento Prisional do Vale de Judeus, emitiu a seguinte recomendação ao então director-geral dos Serviços Prisionais:

Considerando que, nos termos do artigo 19.°, alíneas a) e b), da Lei n.° 81/77, de 22 de Novembro, o Provedor de Justiça ordenou a instauração de um inquérito por espancamentos ocorridos no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, perpetrados por elementos do pessoal de vigilância contra alguns reclusos, verificados com especial incidência nos dias a seguir a 22 de Setembro de 1985;

Considerando que algumas diligências instrutórias decorreram no dito Estabelecimento Prisional desde 28 de Novembro de 1985 até 10 de Janeiro de 1986;

Considerando que tal inquérito teve origem, sobretudo, em notícias vindas a lume que referiam ter sido barbaramente espancado, até à cegueira completa, o recluso daquele estabelecimento José Rui Ribeiro Rubio, o qual se encontra internado no Hospital Prisional de Caxias;

Considerando que, face à franca melhoria do seu estado de saúde, pode, eventualmente, e a qualquer momento, ser-lhe dada alta do referido Hospital;

Considerando o consequente estado de indisfar-çada animosidade, detectada ao longo do inquérito, de vários elementos do pessoal de vigilância do aludido Estabelecimento Prisional contra o dito recluso, e que tal animosidade, muito provavelmente, se iria traduzir, se não em mais espancamentos, em graves e repetidas agressões de ordem psicológica;

Considerando, por outro lado, que também se pode agredir psiquicamente um recluso, privando-o, na prática, desnecessariamente, das visitas dos seus mais chegados familiares, que vivem em Lisboa;

Considerando que tais agressões psicológicas poderiam provocar a regressão da cegueira (de ordem histérica, segundo o referido inquérito) e anular, assim, o tratamento médico que, eficazmente, lhe foi ministrado no Hospital Prisional de Caxias.

Ao abrigo do artigo 18.° da citada Lei, dirijo a V. Ex.a a seguinte

Recomendação

Na eventualidade de ao recluso José Rui Ribeiro Rubio ser dada alta do Hospital Prisional de Caxias:

1 — Não deverá o mesmo ser mandado regressar, de modo algum, ao Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus.

2 — E deverá ser transferido para um estabelecimento prisional de Lisboa ou proximidades, até ao fim do cumprimento da sua pena.