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5 DE JUNHO DE 1989

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Quer dizer: o cidadão não consente (como se prescreve no texto constitucional), mas é ele próprio que se obriga.

Por outras palavras: não tem alternativa e não se lhe concede opção: a lei sujeita-o a eventual condicionamento ou compressão ulteriores de um seu direito fundamental, forjando, por via negativa, um (pseudo) consentimento que o cidadão poderia não dar sem aquela imposição.

Como exemplo de norma ardilosamente leonina, não é certamente fácil encontrar melhor.

De resto, se se pudesse qualificar como consentimento o obriga-se do Decreto-Lei n.° 465/85 (e não se vê como seja possível fazê-lo), ainda assim ele seria distinto daquele a que se reporta o n.° 3 do artigo 34. ° da Constituição.

É que, na verdade, bem diferente será um consentimento concedido em certas circunstâncias dele impositoras, de um outro que, traiçoeiramente disfarçado nas vestes de um vago «obriga-se», acaba por constituir um autêntico cheque em branco passado à Administração.

Há que usar do maior cuidado quando se legisla em matérias tão delicadas como esta para evitar que, à sombra das leis, se perpetrem (ou se possibilitem perpetrar) atentados contra a liberdade pessoal dos cidadãos, designadamente quando tais leis se arvoram como prosseguidoras de interesses públicos nem sempre — como será o caso — devidamente fundamentadas;

b) Sendo embora evidente que a aplicabilidade directa dos direitos, liberdades e garantias não envolve a proibição da regulamentação legal do exercício desses direitos ou do modo de actuação daquelas liberdades e garantias, importa, porém, que tal regulamentação não signifique (ou não venha a significar), quer por deficiência de que padeça, quer por mediocridade de que sofra, quer por objectivo a que se proponha, uma qualquer forma de restrição dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados.

Como escrevem Vital Moreira e Gomes Canoti-Iho (in Constituição da República Portuguesa Anotada, p. 81):

Torna-se assim muito importante distinguir os conceitos de restrição e de regulamentação, para evitar que sob a capa desta — em principio constitucionalmente lícita em todos os casos— possa aJbergar-se aquela — que é constitucionalmente lícita apenas em casos tipificados na Constituição.

c) Ora o diploma legal posto em análise justifica a maior preocupação pelas virtualidades perigosas que em si encerra e que, como se alcança do precedentemente dito, com relevância para o parecer do Ex.m0 Assessor, não são poucas, nem, muito menos, inofensivas.

E qualquer que seja a perspectiva com que se encare a questão do alcance efectivo que deva atribuir-se ao reconhecer-se aos direitos fundamentais, impossível será não concluir que a liberdade, enquanto conteúdo essencial absoluto dos direitos fundamentais, nunca pode ser afectada, pois que essa conclusão é a garantia mínima que se pode retirar da Constituição;

d) Assim, se ao legislador ordinário ficam atribuídas margens de actuação que lhe permitem fazer variar, conforme interesses públicos em jogo,

o espaço de liberdade dos indivíduos, é mister que não atinja com aquela actuação o conteúdo essencial dos direitos, liberdades e garantias (o que seria muito grave), nem destrua a autonomia individual do cidadão (o que seria francamente intolerável;

e) Estes aspectos podem servir para não minimizar ou subalternizar excessivamente a inconstitucionalidade material patente na aludida norma do artigo 5. °, alínea c), do Decreto-Lei n.° 465/85 (violadora, a meu ver, do princípio consagrado no artigo 34.° da Constituição), ainda que, por um prisma pragmático e cronológico, se aceite poder primaciar-se, em termos de actuação imediata, a inconstitucionalidade orgânica que abrange todo o diploma e a ventilada recomendação ao Governo no sentido da suspensão ou revogação daquele.

De resto, estou em crer que nada se perderia em exercitar concomitantemente os procedimentos propostos.

5 — Com base nos pareceres acima sumariados, o Provedor de Justiça pediu ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.° 485/85 e, concomitantemente, recomendou ao Governo a revogação deste diploma.

6 — Na sequência da recomendação formulada ao Governo para que revogasse ou suspendesse o Decreto--Lei n.° 485/85, o Executivo comunicou parecer-lhe legítimo aguardar a decisão do Tribunal Constitucional e a constituição do grupo de trabalho centralizado no gabinete do então Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna com vista a preparar a revisão daquele diploma legal.

7 — No termo de 1986, o Tribunal Constitucional ainda não se pronunciara sobre o caso.

Processo IP-6/86DI-9

Sumário: Direitos fundamentais. Direito ao corpo. Transplante de órgãos.

Síntese

1 — Uma notícia publicada em vários órgãos de imprensa relativa a transplante de coração em que o doador falecera num acidente de viação e cujos familiares não haviam para o efeito sido consultados, levou o Provedor de Justiça a, por sua iniciativa, abrir um processo para estudar a constitucionalidade do regime em vigor sobre o transplante de órgãos de pessoas falecidas, constante do Decreto-Lei n.° 553/76, de 13 de Julho.

2 — Em estudo aprofundado, amplamente documentado no direito comparado, o assessor encarregado do caso começou por abordar o aspecto da constitucionalidade orgânica do diploma em questão, acabando por concluir que ele não enfermava deste vício.

3 — Mas considerou que o Decreto-Lei n.° 553/76 era materialmente inconstitucional pelas razões que a seguir se transcrevem:

Poderá, todavia, sustentar-se que as omissões relativas à falta de notificação do óbito (condição indispensável ao exercício do direito de oposição) e da fixação de um prazo para ser noticiada aos médicos a oposição do falecido e, simultaneamente, para a formação do silêncio a partir do qual os médicos ficam habilitados (legalmente) a proceder à colheita comprometem o pleno exercício de um direito fundamental de personalidade