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II SÉRIE-C — NÚMERO 22

— o direito de disposição do corpo — reconhecido,

de modo indirecto (*-0. pelo artigo 25.° e pelo

artigo 26.°, n.° 1, da Constituição da República.

A formulação do artigo 5.° permite — vistas as coisas pelo ângulo daqueles a quem cabe noticiar aos médicos a possível oposição do defunto à colheita — fundamentar a violação do direito de informar garantido pelo n.° 1 do artigo 37.° da Constituição, considerando que a ausência do dever de notificar o óbito ao círculo de pessoas capazes de revelar a eventual oposição compromete o exercício do direito que tais pessoas têm de informar os médicos acerca da vontade do falecido no tocante à colheita.

Ao pôr em causa o pleno exercício dos direitos de disposição e de oposição, o artigo 5.° pode ainda ofender, reflexamente, a liberdade de consciência (n.° 1 do artigo 41.° da Constituição), entendida como faculdade de escolher os próprios padrões de valoração ética ou moral da conduta própria e alheia (*-*). E isto porque tal liberdade requer a possibilidade do exercício daqueles direitos.

Se em vida a pessoa manifestou vontade expressa ou tácita contrária à colheita, a qual foi dada a conhecer à família, mas esta não tem viabilidade de transmitir essa oposição do falecido aos médicos, a liberdade de consciência do titular do direito de disposição sobre o corpo não poderá considerar-se minimamente assegurada. Pela simples razão de que a própria formulação do preceito criou intencionalmente barreiras várias no perfeito exercício do direito de oposição do defunto e do direito de informação da família.

O artigo 5.° não exige qualquer autorização da família para a colheita. Não confere direito de oposição. Limita-se, como se viu, a reconhecer à família — embora não expressamente (*J) — o direito de informar os médicos da eventual oposição do falecido. Esse reconhecimento tácito constitui mais um obstáculo ao exercício dos direitos de oposição (*-*) e de informação.

Obstáculo que, aliado aos demais indicados, cria a convicção de a deficiente redacção do artigo ter sido intencional.

Com efeito, o legislador não podia, razoavelmente, ignorar a lei vigente em matéria de direitos de personalidade e, em especial, o artigo 71.° do Código Civil, segundo o qual os direitos de personalidade gozam de protecção mesmo depois da morte do respectivo titular, e que tem legitimidade para requerer providências adequadas às circunstâncias do caso o cônjuge sobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido.

E nesse aspecto foi, incomparavelmente, mais longe do que a proposta constante da 6." conclusão do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República 60/59:

No caso de vir a condicionar-se a colheita pela autorização ou pela não oposição da

(♦->) V., a propósito, as notações ao artigo 25.° da Constituição pelos constitucionalistas J. Gomes Canoülho e Vital Moreira, in Constituição do Republica Portuguesa Anotada, 2." ed., 1." vol., p. 193. G. Canotilho e V. Moreira, ob. cit., p. 250. (*-3) Essa lacuna deverá ser integrada pelo recurso à via analógica (artigo 10.° do Código Civil).

í*-4) Fundado no direito de personalidade da disposição do cadáver após a morte.

família, deve ela restringir-se ao cônjuge não

separado de pessoas e tons ç aos parentes cm

primeiro grau na linha recta ascendente ou descendente que não tenham praticado para com o falecido factos notórios demonstrativos da sua falta de afecto.

Embora se possa sustentar — como atrás se verifica — a possibilidade de integrar a lacuna em causa, o certo é que esta pode, também, pelas razões expostas, constituir uma limitação ou restrição ao exercício do direito de informar os médicos que à família irrecusavelmente pertence (*•')» da possível oposição deduzida pelo falecimento a propósito da utilização do respectivo cadáver.

A eventual inconstitucionalidade advirá, portanto, não do não reconhecimento à família de um direito de oposição próprio — aceitando-se que a família, bem como o Estado, não dispõem de um direito de propriedade sobre os cadáveres —, mas da restrição do direito de informação da vontade expressa ou presumida do parente a respeito do uso do respectivo corpo após a morte. A falta de menção das pessoas com legitimidade para exercitar o direito de informação reconhecido pelo artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 553/76 envolve de algum modo — apesar da possibilidade de integração de lacuna por via analógica — uma redução ou limitação sensível do direito, constitucionalmente reconhecido, de informar.

E, por tal motivo, viola o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 37.° da Constituição da República.

A análise vinda de efectuar justiça — sem pôr em causa o objectivo de facilitar a obtenção de órgãos e tecidos de cadáveres para efeito de transplantações ou de outros fins terapêuticos — a reformulação da lei vigente na matéria cuja interpretação patenteia a existência de subterfúrgios incompatíveis com um Estado de direito democrático (Constituição, artigo 2.°).

Essa reformulação pelo órgão de soberania competente — a Assembleia da República (*-*) — deverá clarificar o regime legal respeitante à colheita de órgãos e tecidos de origem cadavérica com observância dos princípios constitucionais e das normas de harmonização legislativa decorrentes da adesão de Portugal às Comunidades Europeias (*-7).

4 — Concordando com a argumentação acima expendida, o Provedor de Justiça apresentou ao Tribunal Constitucional, em 30 de Abril de 1976, o seguinte pedido:

O artigo 5.° do citado diploma, ao omitir a notificação do óbito ao círculo de pessoas capazes de noticiar aos médicos a eventual oposição do falecido à colheita, compromete o exercício do direito de personalidade à disposição do respectivo corpo e o do direito das pessoas com legitimidade para transmitir a vontade expressa ou tácita do defunto a respeito da colheita, violando, desta maneira, o n.° 1 do artigo 25.° da Constituição (direito à integridade), o n.° 1 do seu artigo 26." (outros direitos pessoais) e os n.°* 1 e 2 do seu artigo 37.° (liberdade de expressão e informação).

(•■') Face aos contributos do direito interno e do direito comparado. (**) Cf. Constituição da República, anigo 168.°, n.° 1, aliriw.b\,

com referência à alínea c) do n.° 3 do artigo 64.°

(••7) Cf. Constituição da República, artigo 168.°, n.° 1, al/nea *), com referência à alínea c) do n.° 3 do artigo 64.°