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18 DE MAIO DE 1991

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artificiais, criados a partir de matérias inertes, não biológicas C28).

16.2 — Decidiu o Conselho das Comunidades Europeias, em 29 de Junho de 1990, aprovar um programa específico de investigação e de desenvolvimento tecnológico tendente à análise do genoma humano, com respeito pelo direito à identidade genéüca, que «faz parte da integridade e da dignidade da pessoa».

Propõe-se essa investigação intencionalizada à utilização e aperfeiçoamento das novas biotecnologias, o estudo do genoma humano, com vista a uma melhor compreensão dos mecanismos das funções genéticas, bem como à prevenção e tratamento de doenças humanas. Ficará excluída dos objectivos do programa a alteração das células germinais (as que dão causa às células sexuais ou gâmetas) ou de qualquer fase de desenvolvimento embrionário com o objectivo de modificar de forma hereditária as características genéticas humanas.

É um ponto assente que a análise do genoma pode contribuir para a utilização e aperfeiçoamento de novas técnicas no sentido da protecção da saúde, através do diagnóstico precoce, da prevenção, do aperfeiçoamento do prognóstico e das terapêuticas. Mas não sofre dúvida, também, que, quando canalizada para outros fins, poderá conduzir a resultados reprováveis. É que, permitindo tal análise determinar precocemente as características da pessoa e os seus defeitos hereditários, antes que eles se manifestem visivelmente, se for empregue para a elaboração de mapas genéticos individuais, estes poderão, se não forem totalmente resguardados, ser fonte dc graves discriminações sociais. Assim em matéria de emprego, dc actuação policial, de celebração de contratos de seguro, por exemplo. E os riscos de novas expressões de eugenismo e de racismos tornam-se avistáveis í29).

17 — Há situações que indubitavelmente não são tuteláveis pela moral, pela lei ou pela consciência colectiva. Aí, sim, a convocação do sistema de integração de lacunas previsto no n.9 3 do artigo 10." do Código Civil (juiz-«le-gislador») resolveria qualquer caso que por absurdo pudesse vir a surgir.

Como figurar a fusão de gâmetas (células reprodutoras) ou embriões humanos com gâmetas ou embriões de outras espécies, com a finalidade de obter um indivíduo híbrido, ou a transferência de embriões humanos para o útero de outra espécie, ou vice-versa? E o mesmo se dirá com a possibilidade, já aventada (embora de difícil praticabilidade), da implantação de embriões na parede do intestino dc homossexuais, para poderem ter um filho (a «gravidez» masculina). E como encarar a clonagem?

18 — Problemas reais — isto é, em relação aos quais se terá de fazer uma opção a relativamente curto prazo — serão aqueles que dizem respeito a técnicas já praticadas, algumas com larga margem de assentimento.

Será de continuar a admitir-se a fertilização in vitro heteróloga, que é hoje, pura e simplesmente, proibida na Suécia desde 1988 e tendê-lo-á a ser na Alemanha, como resulta dos trabalhos da Comissão Jurídica do Bundestag aquando da preparação da lei para a defesa do embrião dc 26 de Outubro de 1990?

Na hipótese de inseminação artificial ou de fertilização in vitro heterólogas deverá prevalecer o critério do anonimato do dador, rejeitado, quanto à l.' (já que quanto à 2' o problema aí nem sequer se põe) pela lei sueca de 24 de Dezembro de 1984?

Minimizará o anonimato do dador a intervenção do terceiro na relação conjugal; intensificará, por outro lado, e

em lermos práticos, a existência de dadores — que porventura se retrairiam sc a sua identidade pudesse vir a ser revelada.

Propendeu a Comissão para o Enquadramento Legislativo das Novas Tecnologias, no seu relatório de 28 de Julho de 1987, por maioria, para a solução do anonimato. Isto porque assentou em que o direito do filho ao conhecimento da sua ascendência biológica, que constitui uma das vertentes do direito à identidade pessoal (artigo 26.", n.91, da Constituição), não é um direito absoluto, admitindo, portanto, restrições. E salientou ainda que, depois da maioridade, o filho tem o direito a conhecer o modo da sua concepção e, até, havendo sérias razões de natureza médica, as características genéticas do dador, com recurso, quando tal se mostre necessário, ao exame do DNA.

Pessoalmente, sou contrário à solução do anonimato do dador o filho tem, em nome do direito à identidade pessoal, a faculdade de conhecer a identidade, personalizada, do pai biológico.

E, encarando outra frente do debate suscitado em tomo da questão (o direito à intimidade da vida privada), estou em supor que a reserva da privacidade apenas deverá excluir o conhecimento do terceiro interveniente por estranhos, e não pelo filho.

Não creio, além disso, que a tese do anonimato possa ser abonada pelo bem-estar do próprio filho, assim posto a coberto de traumas psicológicos ao longo da vida (30). É que esses traumas resultariam, por certo, mais intensos se, podendo ter acesso às características genéticas do dador, não lhe fosse dado conhecer a sua identidade.

Aliás, o facto de ser conhecido pelo filho o nome do seu pai biológico (dador do esperma) não significa que a este possa ser imputado o estatuto jurídico de pai: a paternidade estabelecer-se-á em relação ao marido da mãe (paternidade social).

De salientar é, no entanto, não ser esta a solução que tem prevalecido no âmbito do Conselho da Europa. Tem--sc aí propendido para o anonimato do dador.

19 — Outros problemas terão de ser enfrentados por via legislativa, sem grande margem para controvérsia (ao que se supõe): o das «mães hospedeiras» ou «de substituição», o da criação de embriões com fins de investigação ou comerciais, o da conservação do esperma congelado após o falecimento do dador (mesmo que ele tenha consentido na sua utilização), etc.

Todas essas práticas parecem formalmente de proibir.

20 — Nunca será de mais insistir em que a fecundação artificial, ou fertilização extracorporal, não poderá ser encarada numa perspectiva mecanicista: implicará sempre uma alteração de natureza natural da vida. A ânsia obsessiva e narcisista de «ter filhos» a qualquer custo não poderá resvalar na fascinação de produzir, na «mutação da humanidade».

É de compreender o drama da esterilidade; sobretudo o da esterilidade da mulher. Castigo dos deuses, obra de feitiçaria, foi, desde sempre, entendido como um mal, que arrastava à desonra, ao repúdio, à marginalização (31).

Só que, designadamente no que respeita à esterilidade dos casais, ela é muitas vezes curável. O clássico exemplo de Yerma, dc Garcia Lorca, com os seus laivos de tragédia grega, será paradigmático. Casada há vários anos com Juan, dessa união não nasceu um filho. A Juan não lhe interessava ter filhos, mas tratar das suas terras e do seu gado. Yerma rejeitava a adopção de uma criança: «No quiero cuidar hijos de otros. Mc figuro que se me van a hclar los brazos de tenerlos.» E, culminando o seu desespero, mata Juan.