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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

fizessem parte personalidades indicadas pela Academia das Ciências dc Lisboa, pelo Conselho dc Reitores das Universidades Portuguesas, pelo Instituto NâCtoAâl dê IltVfifi-tigaçao Científica, pela Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, pela Ordem dos Médicos e pela Ordem dos Advogados (l3).

4— O que acontece, no entanto, é que ao Conselho compete um papel meramente consultivo, como, aliás, sucede, designadamente, com o Comité francês. Isto mesmo sc assinalou no parecer da 3.1 Comissão sobre o projecto dc lei, lembrando que Jcan Bernard, presidente do Comité francês, entendia ser uma felicidade não dispor dc qualquer poder legislativo, «mas apenas dc um poder moral». Não lendo sequer por função preparar textos legislativos, é, por certo, ouvido quando eles são elaborados, sobretudo no que respeita às grandes opções a fazer.

Quanto ao Conselho português isto mesmo resulta do artigo 2.8 da Lei n.9 14/90, dc 9 de Julho.

O que, dc resto, bem se compreenderá: a função legislativa é intransferível e só a bem contados órgãos do Es-lado (como sc passa com o Provedor de Justiça) é cometido o dircito-dever dc formular recomendações legislativas.

5 — Esta a razão da presente intervenção, cm áreas cm que surgem cm constelação, ao ritmo dos meses, novos problemas c horizontes.

Perante cies, quando e como sc deve legislar?

Se hesitações consistentes não surgirão, por certo, no que respeita a algumas dessa áreas, como a das transplantações e enxertos ou a da transexualidade, ganharão cias, sem dúvida, significativa consistência no tocante a outras, como a do prolongamento artificial da vida c, com grande complexidade e diversificação de vertentes, as implicadas pela reprodução assistida e pelas manipulações genéticas.

De todo cm todo será desaconselhável, alé porque inviável, intcniar uma codificação: está-se num terreno cm que a natureza dos problemas e a mutabilidade da resposta Icgislaüva apontará, quando for caso de legislar, para a solução de editar leis avulsas.

Ninguém duvidará que o excesso dc leis avulsas provoca o generalizado fenómeno da inflação legislativa, da poluição legal, da atomização c da desconslrução do direito. «Le droil est abandonné pour une poussière de droits (...]» ('"), refere Pascal Dicner.

Só que os problemas em causa postulam soluções sectoriais, autonomamente tcxtualizadas, se houver que legislar.

6 — Exemplo típico da necessária intervenção do legislador será o do regime das transplantações e enxertos c exemplo quase típico da sua não intervenção, pelo menos com uma .intencionalidade directa, será o do prolongamento artificial da vida.

7 — Não está o homem «vocacionado» para nascer in vitro e morrer in machina; a fórmula, que incidentalmente usei, foi como que a síntese dos trabalhos da l.! Conferencia Ministerial Europeia sobre os Direitos do Homem (15). Realmente, o prolongamento artificial da vida (/í/e sustainning procedures), em situações de coma irreversível ou vegetativa, com extinção irrecuperável da actividade cerebral, embora sem paragem da função circulatória ou respiratória, põe quase que exclusivamente o problema de fazer «desligar a máquina». Problema que, na vida real, não é ião fácil dc enfrentar como em tese poderá parecer.

A dignidade da pessoa impõe o direito a morrer dc uma morte digna; quase diria, transpondo para esta situação

antitética a frase dc Miguel Torga a propósito da pena de morte, o direito a morrer «a sua própria morte». Por

conseguinte, mesmo antes da extinção da função cerebral

será dc evitar o exacerbamento terapêutico na fase termina) da vida, em caso de doença incurável. Na Declaração sobre a Eutanásia da Congregação para a Doutrina da Fé (5 de Maio dc 1980) regista-sc que, «se uma morte esliver iminente apesar de todos os esforços desenvolvidos, a consciência permite a decisão dc renunciar aos tratamentos que prolongariam a vida dc um modo precário e penoso, sem todavia sc interromper o tratamento normalmente devido a um doente em tal situação». É a distinção entre os meios ordinários ou normais (obrigatórios) e os meios extraordinários (não obrigatórios); entre os meios proporcionados e os meios desproporcionados. Mas quais as fronteiras entre a terapêutica exacerbada ou desproporcionada c a que decorre do dever dc assistência do médico? A questão propõe fundamentalmente opções éticas ou deontológicas, mais do que problemas jurídicos, até porque a eutanásia por omissão (eutanásia passiva) não é hoje punida no Código Penal.

O Natural Death Aci do Estado da Califórnia, dc 30 de Setembro de 1976, foi o primeiro diploma legal norte--americano a reconhecer a qualquer adulto, com plena capacidade dc discernimento, o direito a fixar por escrito as directivas a seguir pelos médicos aquando da fase terminal da sua vida; ulteriormente, 37 outros Estados norte-americanos editaram diplomas do mesmo estilo. Mas, onde não existe lei a admitir estes «testamentos biológicos» ou living wills, pôr-se-á sempre a dúvida sobre a sua validade (16). A qucsião tem, dc rcsio, a ver com a problemática mais ampla do direito a não receber cuidados médicos: «il diriuo di non curarsi, di trascurarsi, di lasctíirsi morirc», na síntese dc Ferrando Mantovani (17). Caberá aos códigos deontológicos, à consciência de cada médico e, cm cenas hipóteses, aos tribunais determinar se deve ou não manter-sc, cm cada caso, o exacerbamento terapêutico (l'acharnement thérapeutique), sendo embora certo que as linhas dc delimitação entre a eutanásia activa e a eutanásia passiva nem sempre são claras (18).

O que sc tem como prudente é não fazer imervir o legislador numa área cm que as soluções serão tendencialmente casuísticas.

III

A transexualidade

8.1 — Um certo «sensacionalismo» assotiávcl ao problema não poderá aliciar a uma «recatada» abstenção dc análise. Os tribunais portugueses têm sido chamados a pronunciar-se sobre diversos casos e o desencontro das soluções encontradas, face ao complcio vazio legislativo com que se deparam, é virtualmente gerador dc situações dc desigualdade e, por certo, dc infixidez jurisdicional.

Fazem os tribunais apelo à regra do n.8 3 do artigo 10.° do Código Civil para ultrapassar a omissão legislativa. É que as situações postas não podem ser reguladas «segundo a norma aplicável aos casos análogos» (n.9 1 oesst artigo 10.8)... porque não há casos análogos. Há, pois, que lançar mão daquele n.8 3 do artigo 10.9:

Na falta dc caso análogo, a situação 6 resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, sc houvesse de legislar dentro do espírito òo s&y&toi».