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II SÉRIE-C — NÚMERO 31
Era um falso caso de esterilidade: nem Ycrma nem Juan eram estéreis. A «energia do instinto» dc Ycrma iransfor-mou-sc na necessidade de destruir.
A medicina de reprodução, quando cega, transformará a mulher numa «máquina dc fertilidade»: poderá ser de aceitar, em casos limite, mas deverá ser evitada, até onde o possa ser.
21 — Há que tomar posições reflectidas sobre o estatuto do embrião. A partir de que momento ele se torna uma
pessoa?
A posição da Igreja Católica, segundo a qual desde a concepção ele é uma pessoa, não andará longe da assumida pelo Comité National d'Éthique francês (22 de Maio de 1984 e 15 de Dezembro de 1986), que considera que, a partir desse momento, o embrião é uma pessoa potencial, merecedora de respeito, nem pela recente lei alemã.
Mas outras aludem a um estádio preembrionário desde a fecundação até ao 14.° dia, como, por exemplo, a Lei espanhola n.8 35/1988, de 22 de Novembro í32).
22.1—Parece ser, desde logo, na perspectiva de se considerar o embrião uma pessoa «potencial» que se deverá enfocar a problemática dos chamados embriões «excedentários» ou «supranumerários».
Deve ser evitado que eles existam, para além dos necessários à implantação no útero da mulher.
Poderá, no entanto, acontecer que, não obstante essa precaução, o seu número seja excessivo, dando causa ao risco de gravidez múltipla, com risco para a saúde e, porventura, para a vida da mulher.
Desponta então o problema de saber que destino dar a esses embriões não implantados. Parece que a sua congelação ou crioconservação, para implantação futura, será a solução mais aconselhável. Mas por quanto tempo? O anteprojecto da Comissão portuguesa fala cm dois anos; o Comité francês em 10 a 12 meses; a lei espanhola de 1988 cm cinco anos; o relatório Wamock cm 10 anos.
22.2 — Em seguimento à Recomendação n.8 874 (1979) da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, respeitante à Carta Europeia sobre os Direitos da Criança, que reconheceu o direito à vida desde o momento da concepção, pode-se afirmar que, por regra quase que absoluta, o embrião não pode ser considerado como que um material de laboratório; a sua utilização para fins de investigação lerá de ser muito especialmente necessária e muito significativamente útil ao progresso dos meios terapêuticos.
Trata-se de uma matéria do anteprojecto português sobre a qual deverá recair uma alargada reflexão — sendo dc lamentar que ela até agora não tenha sido impulsionada e nem sequer iniciada, pelo menos com expressão sensível.
A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, na Recomendação n.8 1046 (1986), que complementou, neste domínio, a Recomendação n.8 934 (1982), preocupou-se com os rumores que circulavam sobre o comércio de embriões e de fetos mortos e apontou para que a utilização industrial dos embriões e dos fetos se processasse para fins terapêuticos que de outra forma não pudessem ser alcançados, proibindo a criação de embriões com fins de investigação. Na sua 7.* reunião (31 dc Maio a 3 dc Junho dc 1988), o CAHBI propôs ao Conselho de Ministros a adopção desta recomendação. Ela viria, entretanto, a ser completada pela Recomendação n.8 1100 (1989), sobre a utilização de embriões c fetos humanos na investigação científica, que reiterou que o embrião deve ser protegido desde a fecundação do óvulo. Pronunciar-se-ia o Conselho sobre as duas recomendações, aludindo, designadamente, à conveniência em ser preparada uma Convenção do Conselho da Europa sobre a Bioética.
23 — Na resolução de 16 de Março de 1989 sobre os problemas éticos e jurídicos da manipulação genética, o
Parlamento Europeu igualmente assentou em que o zigoto tem direito a ser protegido, apontando para a repressão penal de qualquer uülizaçüo comercial ou industrial de embriões ou de fetos e preconizando a crioconservação dc
embriões apenas por um período limitado e com o fim de provocar uma gravidez na mulher à qual tivessem pertencido os óvulos; o comércio de embriões criogenizados será de punir criminalmente, seja para fins científicos, industriais ou comerciais.
V
Conclusões
1 — Constituirá um pecado de omissão, para mais dis-pondo-se agora de uma Comissão Nacional de Ética, não enfrentar por via legislativa alguns dos problemas que as novas tecnologias médicas põem à consciência da pessoa e à normalidade da vida social.
2—Não se deverá legislar d outrance, até porque leis espectáculo cm nada contribuirão para resolver tais problemas.
3 — Mas deverá atentar-se em que, se a ciência evolui em passo estugado, o valor da pessoa permanece e lerá dc ser ressalvado.
4 — Afigura-se que terá dc ser encarada pelo legislador a situação jurídica da transexualidade.
5 — Igualmente o deverá ser a reprodução assistida e a manipulação genética, nos seus limites que exactamente o valor da pessoa toma inultrapassáveis.
6 — Assim, e num exemplo mais, se a terapia génica somática (assim em células da medula óssea) é dc admitir, tal não acontecerá, peremptoriamente, com a terapia génica em células da linha germinal (resolução de 16 dc Março dc 1989 do Parlamento Europeu).
7 — A fecundação artificial in vivo e in vitro terá de ser encarada limitativamente. Não é de esquecer que, noutra resolução dc 16 de Março dc 1989, o Parlamento Europeu, «consciente da necessidade dc proteger a vida humana desde a fecundação» (o que não significa, segundo esclarece, uma tomada dc posição sobre a interrupção \o\v«vtá-ria da gravidez) e dos graves problemas causados pela procriação assistida, concluiu pelo carácter exclusivamente terapêutico da fecundação artificial iniracorporal ou in vitro homóloga; como meio de ultrapassar a esterilidade, c pela condenação, cm princípio, da fecundação intracorporal ou in vitro heteróloga.
8 — Assim sendo, e sugerindo a adopção dc medidas legislativas que ao «sonho da razão» façam substituir o «valor da pessoa», o Provedor de Justiça, no uso da competência que lhe é conferida pela alínea b) do n.8 1 do artigo 18." da Lei n.° 81/77, dc 22 de Novembro, e, com aplicação do artigo 262." do Regimento da Assembleia da República, assinala o vazio legislativo que nestes temas ocorre, abstendo-se dc preconizar soluções concretas e prefixadas, que à Assembleia da República ou ao Governo, dotado que seja de autorizações legislativas, pertencerá adoptar.
Lisboa, 31 de Dezembro de 1990.
(') Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, IV, 19S8, p. 26*7, em nota.
(*) O Despacho n.' 37/86 e as palavras ditas no acto de posse da Comissão estão reproduzidos na publicação do Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito de Coimbra sobre a Comissão para o Enquadramento Legislativo das Novas Tecnologias. Cf, ainda, o Boieúm do Ministério da Justiça, 3S6.
(3) Em Libertés publiques, cd. PUF. 1985, p. 193.
(*) Em «Biologie, morale et droit», cm Juris-Classeur Périodique, Doctrine, 29 de Outubro de 1986. p. 3260.