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18 DE MAIO DE 1991

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Pressentia-se nele, até certo ponto, a influencia do Comité Consultatif National d'Éthique, instituído cm França por decreto de 23 de Fevereiro dc 1983, e que aí ganhou uma quase geral adesão. As escassas vozes discordantes tiveram, fundamentalmente, a ver com o excessivo número de membros do Comité e com a dominância, nele, de cientistas e médicos, em detrimento dos juristas e dos re-prcscnianics das grandes correntes de opinüo. Advertiu,

neste contexto, o Prof. Jean Morange, da Faculdade dc Direito de Limoges, que o Comité tenderá a ser um órgão meramente técnico, cujos pareceres não terão mais autoridade intrínseca do que os da Academia das Ciências ou os da Ordem dos Médicos. «En refusant sans doute de courir le risque d'être supplanté par un organe ayant une trop forte autorité morale, le pouvoir politique a peut-être empêché la recherche d'un consensus acceptable par les français, et pourtant indispensable dans un domaine où, moins que dans tout autre, la bipolarisation politique ne peut déboucher sur des solutions crédibles.» (3)

Curiosamente, no pólo oposto, estará a opinião do Prof. JoCl-Bcnoit d'Onorio, director do Departamento das Ciencias Jurídicas c Sociais da Faculdade de Direito d'Aix, que, em relação a todas as comissões oficiais dc ética e, concretamente em relação ao Comité francês, nelas vê uma fórmula de imposição de uma moral laica, com o perigo de traduzir uma moral do Estado. Aliás, d'Onorio condena a substituição da ideia dc moral pelo conceito dc ética. A tradicional sinonímia entre ética c moral lerá sido desfigurada; a ética dc hoje mais não é do que a ethics dos norte-americanos, com um conteúdo mais flexível, mais ligado às ciências humanas, mais contingente, mais «acomodaticio».

Tcr-se-á dissociado, assim, a moral dos seus pressupostos religiosos. «En vertu du pluralisme social, on passe de l'interdit religieux au religieux interdit [...].» «Il a fort à craindre que l'avènement de l'éthique ne soit qu'un subterfuge pour mieux contourner la morale.» (*)

2 —E, desde logo, patente que o Prof. d'Onorio peca por um enfoque demasiado «conservador» da questão. O que qualquer comissão de ética terá cm vista é contribuir, numa perspectiva que valha para uma sociedade necessariamente plural e heterogénea, para que preservada fique, perante as mutações tecnológicas, a dignidade da pessoa. E, para tal, não pode ficar alheia a uma cena ideia da pessoa. «O homem-pessoa é o pressuposto decisivo, o valor fundamental e o fim último que preenche a inteligibilidade humana do mundo humano do nosso tempo.» (5) Só que a ideia da pessoa, estruturada a partir da sua dignidade, não depende, necessariamente, dc um certo pressuposto confessional, mas da síntese dc valores coagulados num dado pressuposto cultural, do qual, como é óbvio, não são arredáveis as influências confessionais dominantes.

Na mensagem dirigida ao Colóquio sobre «genética, procriação c direito», no início de 1985, usou François Milierrand uma frase feliz:

A história dos direitos do homem é a história da própria noção da pessoa humana, da sua dignidade, da sua inviolabilidade (6).

Por assim ser, a configuração dc uma bioética (7), com uma forte componente dc moral «da vida física» (8) não ficará alheia a uma «ética colectiva», a uma «moral dominante», numa ambivalência significativa. E não pondo dc lado que cm tudo o que tenha a ver com a pessoa há que

procurar soluções que não contradigam a «natureza das coisas», ilusório seria esquecer a dualidade apontada por José Luis Aranguren: a moral como «estrutura» c a moral como «conteúdo». Com efeito, para ele a moral está omnipresente em toda a história da civilização: tem então um valor estrutural. Mas o seu conteúdo não se mantém

intocável: remodela-se, pelo menos nalguns pontos, ao

ritmo da evolução social O.

Seja como for, a moral não coincide necessariamente com o direito. E a própria Igreja Católica quem o afirma, ao distinguir as suas posições sobre a licitude ou ilicitude moral de certas práticas ou condutas e as sugestões que faz ao legislador; isto, precisamente, cm decorrência da aceitação do pluralismo da sociedade em matéria clica. O legislador não estará inteiramente adstrito a um sistema moral, mesmo ao definido pela Igreja Católica: não prevalece o antigo postulado que a fazia tomar-se como uma «sociedade juridicamente perfeita» perante o Esiado (10). Declarava, já cm 1956, Pio XII:

A moral e o direito têm um carácter próprio que importa salvaguardar. Eles exprimem a ordem da consciência e da lei (")•

É precisamente a captação e a configuração de uma ética dominante que, naquilo que tenha a ver com a ideia da dignidade da pessoa, ganha uma certa via expansiva, esbatendo as fronteiras entre a moral e o direito, de modo que a bioética tenderá para alguma propagação a um biodireito, que sobrestará a que cada pessoa possa definir a sua própria ética, desde que posta cm relação com os outros. A «apropriação» de direitos não reconhecidos c dc condutas eticamente reprováveis segundo o sentimento dominante, como, por exemplo, a absolutização do direito a procriar, é tributária do individualismo paroxístico a que aludia Gabriel Mareei:

O ser dissolve-se então totalmente no ter (l2). II

0 Conselho Nacional de Ética e o seu papel

3 — Coube ao Partido Socialista dar expressão efectiva ao propósito, já figurado em 1987, dc criar um Conselho Nacional dc Bioética. E com o projecto dc lei n.° 420/V submeteu a decisão parlamentar, cm Junho dc 1989, a criação do Conselho Nacional dc Ética para as Ciências da Vida. Por seu turno, o Governo viria a aprovar, na reunião do Conselho de Ministros de 26 dc Outubro dc 1989, uma proposta dc lei para a criação dc um Conselho Nacional dc Bioética, visivelmente tributário do previsto cm 1987, embora com alterações textuais. Seria a proposta dc lei n.v 125/V. O parecer da Comissão dc Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto dc lei foi relatado pelo deputado Mário Raposo; o parecer sobre a proposta dc lei coube ao deputado Alberto Martins.

Abriram os debates cm plenário das duas iniciativas legislativas um importante espaço de reflexão; quase não foram prcssenlívcis as naturais dissonâncias ideológicas; a intersecção das novas tecnologias e dos pressupostos éticos fundamentais deu causa como que a que um «património comum» sobre a ideia da pessoa c da sua dignidade. As dúvidas que alcançaram alguma densidade tiveram a ver com a composição do Conselho, embora não se pusesse em dúvida que, como já se imaginara cm 1987, dele