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22 DE SETEMBRO DE 1994

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Processo: R-2093/85 — DI. 78.

1 — Em primeiro lugar, forçoso será efectuar algumas considerações, quanto à necessidade de consentimento de ambos os cônjuges para a alienação ou oneração de bens próprios de cada um.

Ao contrário do que possa resultar da reclamação, não existe no direito da família nacional qualquer imposição geral de consentimento comum sobre a alienação de bens que pertençam exclusivamente a um dos cônjuges.

Com efeito; aquilo a que o artigo 1682.°, n.° 1, do Código Civil se refere é, tão-só, aos bens móveis comuns cuja administração compita a ambos os cônjuges. Logo, ficam excluídos do âmbito deste preceito todos os bens próprios cuja, administração esteja a cargo do seu titular e ainda todos os bens comuns que estejam sujeitos a um regime de administração disjunta, assente nas alíneas a) a f) do artigo 1678.°, n.° 2, do Código Civil .

Isto resulta do espírito que norteou tal solução legislativa. No preâmbulo do Decreto-Lei n.° 496/77, de 22 de Novembro, pelo qual, como é sabido, se procurou adaptar o Código Civil às vicissitudes constitucionais de 1976, afirma-se:

[...] procurou-se fazer coincidir, em regra, a legitimidade-para a prática de actos de alienação de móveis com a legitimidade para administrar esses bens (artigo 1682.°, n.051 e 2).

2 — Resulta, portanto, do Código Civil que os bens móveis próprios são alienados por quem os administra. Ora, a administração de bens próprios é confiada aos respectivos titulares (artigo 1678.°, n.° 1, do Código Civil).

A este quadro genérico haverá que acrescentar três excepções:

a) Bens próprios cuja administração não seja levada a cabo pelo próprio titular (artigo 1678.°, n.° 2);

b) Bens móveis referidos no artigo 1682.°, n.° 3;

c) Bens imóveis e estabelecimentos comerciais, sejam próprios ou comuns (artigo 1682.°-A).

Pode concluir-se que a alienação ou oneração de bens próprios exige o consentimento do outro cônjuge, apenas excepcionalmente. E repare-se, também, que a regra de fazer coincidir a administração com a legitimidade para alienar não é levada longe de mais. Mesmo que a administração de um bem próprio não seja exercida pelo seu titular, este terá sempre de prestar o seu consentimento.

3 — A necessidade do consentimento de ambos os cônjuges nos casos apontados parece justificar-se plenamente à luz das normas e princípios constitucionais.

É certo que o princípio da autonomia privada enunciado no artigo 405.° do Código Civil não encontra expressa consagração na Constituição de 1976. Ele não deixa, contudo, de integrar o quadro de valores da lei fundamental, tanto na sua dimensão objectiva de princípio de organização da sociedade e da economia, como na dimensão subjectiva de posições jurídicas atribuídas às pessoas como direitos fundamentais ou figuras de natureza congénere.

É o que resulta — primeiro plano — da garantia de um sector privado da economia em coexistência com os demais [artigos 80.°, alínea 6), e 82.°, n.°» 1 e 3, da CRP], das incumbências do Estado em matéria de concorrência e monopólios [artigo 81.°, alíneas e) tf)], bem como das limitações à actuação pública sobre empresas privadas

(artigo 87.° da CRP). Estes preceitos pressupõem o mercado e com ele a livre iniciativa económica privada.

No segundo plano — isto é, no âmbito dos direitos fundamentais — a autonomia privada é induzida da chamada liberdade de comércio e indústria (artigo 61.°, n.° 1, da CRP), da liberdade de escolha de profissão (artigo 47.°, n.° 1), assim como da liberdade de transmissão do direito de propriedade privada (artigo 62.°, n.° 1).

A sua consagração implícita tão-pouco diminui a extensão e alcance do princípio:

A faculdade de contratar constitui a óbvia manifestação da maior parte dos direitos fundamentais, e não surge portanto como carecedora de expressa menção ou disciplina quando se declara um ou outro destes. [Spagnulo Vigorita, L'iniziativa económica privata nel diritto pubblico, Nápoles, 1959, p. 226.]

4 — Haverá, todavia, de observar-se que tal princípio não é absoluto no ordenamento jurídico. Ele há-de conviver com outros princípios, com outros direitos, com outras garantias. Cabe ao intérprete proceder à harmonização necessária, de modo a obter o máximo proveito da coexistência da liberdade negocial com outros valores.

No que ao assunto em análise interessa terá de começar por ser feita a compatibilização da livre disponibilidade de cada um sobre os seus bens com as garantias institucionais que a Constituição confere ao casamento (artigo 36.° da CRP) e à família (artigo 67.°).

5 — O casamento, numa perspectiva jurídico-institu-cional, como comunidade pessoal (no sentido da «plena comunhão de vida» a que se reporta o artigo 1577." do Código Civil, fazendo eco da cultura juriscanonística e, em geral, dos valores judaico-cristãos), admite, porém, a separação de patrimónios entre os cônjuges. Eis a razão de ser da liberdade convencional antenupcial (artigo 1698° do Código Civil) e da supletividade do regime de comunhão de adquiridos (artigo 1717.°).

A separação de patrimónios — total ou parcial — não implica necessariamente uma plena disponibilidade sobre os bens próprios quando tal atinja ou possa atingir a estabilidade e segurança familiar, «a manutenção e educação dos filhos», (artigo 36.°, n.° 3, in fine, da CRP) ou a realização pessoal dos seus membros.

É este um sentido possível da função social da propriedade a que o artigo 61.°, n.° 1, do texto constitucional faz referência.

É, pois, como salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos que não poderá deixar de admitir-se um conjunto de limitações à livre disposição sobre certos bens — a começar pela casa de morada da família (artigo 1682.°-A, n.°2, do Código Civil).

6 — Se forem correctamente observadas as situações para as quais a lei requer o consentimento comum sobre bens próprios, ver-se-á que são em todos os casos justificadas.

São, quase sempre, bens que, muito embora pertencendo ao património reservado de um dos cônjuges, estão correlacionados com a comunidade matrimonial e familiar — utilização comum na vida do lar, instrumento comum de trabalho [artigo 1682.°, n.° 3, alínea a)], e administração pelo cônjuge a quem não pertencem [artigo 1682.°, n.°3, alínea b)}.

E quando assim não é estamos perante o caso de bens que, pe)a função quê desempenham na economia doméstica, requerem uma vontade conjunta para a sua