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II SÉRIE-C — NÚMERO 13
maior experiência. Este princípio parece-me intocável, tudo o resto é mera organização. Saber como funciona, como se organiza, como se concebe, é mera organização e, se temos uma paixão pela justiça, estamos numa atitude ideológica face à justiça e com certeza que não vamos
degladiar-nos quanto a opções organizativas que são obviamente de menor relevo.
Portanto, Sr. Ministro, não é a manutenção ou não do tribunal de círculo que estará em causa do ponto de vista essencial. O que me parece essencial é saber que solução permite que questões de maior complexidade sejam julgadas com a garantia de maior conhecimento, de melhor formação e de melhor experiência dos magistrados julgadores. Julgo que as várias evoluções que o tribunal de círculo foi conhecendo terão aproximado o sistema de uma solução razoavelmente próxima porventura da definitiva que seria, no fundo, a dupla corregedoria com flexibilidade de intervenção como hoje, praticamente, acontece na última reforma introduzida.
Mas como sei que V. Ex.B está tão preocupado com o problema como eu, não tenho dúvida de que essa reflexão será feita também com a mesma, senão maior, profundidade e que a solução, com certeza, será aquela que mais interessa ao funcionamento do sistema.
O Sr. Ministro sabe — e vai enfrentar essa situação — que muitos obstáculos se levantam quando se pretende reformar verdadeiramente e que, por exemplo, o encaixotamento de aparelhagens de gravação resulta menos do receio do furto e mais da oposição à gravação da prova no interior do nosso sistema judiciário. Seria estranho que nos nossos tribunais se empacotassem, apenas para não serem furtados, as gravações e os aparelhos de gravação e se deixassem desempacotados os computadores, embora eventualmente desactualizados alguns deles dada a época em que foram adquiridos.
Ora, sucede, e V. Ex.° sabe-o bem, que se travou na sociedade e até na comunidade jurídica portuguesa uma séria polémica quanto à introdução ou não dà gravação da prova nos tribunais. Houve a coragem de vencer essa polémica pelo lado dos cidadãos, isto é, a gravação da prova é uma garantia dos direitos dos cidadãos e tem claramente de ir por diante. Sei o que V. Ex." pensa sobre isso, V. Ex.a sabe o que penso e, portanto, esse é um caminho que não tem, com certeza, retorno. Não tenho nenhuma dúvida de que, apesar de o preço não ser baixo, vale a pena correr o risco do furto e obrigar os tribunais a terem a aparelhagem à mostra, fazendo-a funcionar, na medida do possível com a própria regulamentação que já existe e nomeadamente com aquela que o processo civil veio trazer em complemento da inicialmente publicada.
Não tenho, por isso, dúvida de que esse é um caminho iniciado, não direi oportunamente, porque há muitos anos que o devia ter sido, nem de que V. Ex.a não o fará regredir.
O Sr. Ministro não gosta muito que eu diga que fico feliz com as suas intervenções mas V. Ex." tem, de facto, a possibilidade de me dar felicidade, o que, no mundo político e sobretudo na área da justiça, é sempre importante. Hoje fiquei feliz por saber que também tem sonhos como Ministro da Justiça porque durante algum tempo considerou-se bizarro que o Ministro da Justiça sonhasse. Vejo que V. Ex.a também sonha como Ministro da Justiça — evidentemente, como cidadão sonhou sempre e muito e felizmente pôde ver concretizados muitos dos seus bons sonhos —, o que é bom.
Neste caso da informatização, o sonho tinha de ser bom porque, como sabe, a qualidade do sonho depende sem-
pre muito do conforto da cama e V. Ex.a, nesta matéria de informatização dos tribunais, encontrou uma cama, apesar de tudo confortável, de tal forma que lhe permite o sonho bom de .ter todo o sistema informatizado até ao
fim da legislatura.
O Sr. José Magalhães (PS): — Não apoiado!
O Orador: — O Sr. Deputado José Magalhães diz «não apoiado» porque, evidentemente, tem uma de duas posições: ou a noção exacta de que não é possível a informatização total até ao fim da legislatura, e o sonho transformar-se-ia, na sua perspectiva, em pesadelo, coisa que eu nunca farei, ou seja dar a imagem do pesadelo naquilo que foi o bom sonho; ou, então, sabendo que a cama é a boa, diz...
O Sr. José Magalhães (PS): — É a herança!
O Orador: — A herança que o Sr. Deputado José Magalhães entende introduzir aqui é a que tem a ver com a qualidade do material instalado, mas o Sr. Deputado sabe bem que a evolução nesta matéria é de tal maneira rápida que a qualidade do material que se instala é sempre menor do que a que se instalaria no dia seguinte.
A questão aqui era sobretudo política, de opção: fazer ou não fazer, começar ou não começar. Isto é, criar condições para que o Ministro José Vera Jardim possa sonhar com alguma possibilidade de execução e de concretização do sonho de que, em quatro anos, tem todo o sistema informatizado.
Nessa medida, Sr. Ministro, perguntar-lhe-ia apenas, porque algumas perguntas convém que se faça, se está praticamente concluído ou não o projecto-piloto, portanto, a experiência prévia que determinará depois a implantação no terreno dos estudos desenvolvidos em Sesimbra e em Cascais e qual a evolução do software que tem sido desenvolvido e espalhado por todos os tribunais em vários sectores, acompanhando a instalação das tecnologias
básicas sem as quais o processo de informatização jamais teria tido início entre nós.
Sr. Ministro, permita-me acreditar que o seu sonho é concretizável porque será para mim aprazível chegar ao fim da legislatura e poder, independentemente de dar ou não razão ao Sr. Deputado José Magalhães, ter a consciência de que o sistema de justiça está a funcionar melhor em Portugal e que V. Ex.a teve nisso uma participação decisiva. Como sabe, também não há dificuldade em reconhecer a qualidade da cama porque, quando um sonho se concretiza, é sempre um sonhador que passa à história e não o pobre trabalhador manual que fez a cama, embora confortável.
Por outro lado, ainda pegando no tema da lentidão, V. Ex.a reconhecerá, até porque já o fez noutra situação, que algo de útil feito pelo Governo anterior foi ter aberto definitivamente o estudo sobre as questões da justiça através de entidades independentes, permitindo que esteja hoje à nossa disposição o primeiro grande estudo que, sobre o funcionamento dos tribunais em Portugal, teve lugar. Aí devo dizer-lhe que, de facto, tenho alguma preocupação no plano do orçamento porque, daquilo que vejo e sei do passado, a previsão em termos de PIDDAC nesta matéria servirá apenas para concluir o trabalho que se fez, nomeadamente no domínio da justiça de menores, do trabalho e administrativa e fiscal, mas não é previsto aquilo que, em princípio, estava assente, que o trabalho se projectaria no futuro em termos de permanente actualização, poden-