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II SÉRIE-C — NÚMERO 21

5 — No que diz respeito aos contratos-programa celebrados com o INDESP com vista à obtenção de comparticipações financeiras públicas, o Deputado em causa afirma ter mero conhecimento da sua existência, não interferindo ou participando na celebração dos mesmos.

6 — Cumpre-nos, pois, apreciar estes factos à luz do disposto nos artigos 21." e seguintes do Estatuto dos Deputados, com a redacção dada pela Lei n." 24/95, de 18 de Agosto, visto que a situação em apreço não integra as actividades incompatíveis previstas no artigo 20.°

' 7 — Em causa estão os contratos celebrados entre a Federação e o Estado ou outras entidades de direito público e, em particular, os contratos-programa celebrados com o LNDESP, pessoa colectiva de direito público, para obtenção de comparticipações. Reza a alínea a) do n.° 3 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados que é vedado aos Deputados, em regime de acumulação, «no exercício de actividade de comércio ou indústria, por si, ou entidade em que detenham participação, celebrar contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público, participar em concursos de fornecimento de bens, de serviços, empreitadas concessões, abertos pelo Estado e demais pessoas colectivas de direito público, e, bem assim, por sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos ou por concessionários de serviços públicos».

' 8 — Não restando qualquer dúvida quanto à natureza de pessoa colectiva de direito público do LNDESP nem quanto à natureza contratual da relação jurídica entre os contratantes, apesar de celebrados no âmbito do direito público, coloca-se a questão de saber se, por um lado, pode considerar-se a actividade da Federação Portuguesa de Ciclismo como actividade de comércio ou de indústria, se a celebração dos contratos-programa ocorre no exercício desse tipo de actividade, e, por outro, se deve entender-se que é o Deputado, por si ou entidade em que detenha participação, que os celebra.

9 — Não parece ser de considerar qualquer dessas hipóteses. Se não, vejamos:

Nos termos do artigo 2." do Código Comercial, «serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar». Por seu lado, o artigo 13." do mesmo Código estabelece que são comerciantes «as pessoas que, tendo capacidade para praticar actos de comércio, fazem deste profissão» e também «as sociedades comerciais».

Todavia, a Federação Portuguesa de Ciclismo é uma pessoa colectiva de direito privado sem intuito lucrativo, não tendo como objecto social principal a actividade de comércio, mas sim o desenvolvimento do ciclismo como modalidade desportiva.

Por outro lado, os contratos-programa celebrados com o INDESP têm como objecto a concessão de comparticipações financeiras às associações desportivas dotadas de utilidade pública, mediante a observância de requisitos legalmente previstos (v. artigos 27°, 33." e 34.° da Lei de Bases do Sistema Desportivo).

Os contratos celebrados com o INDESP não têm, quer subjectivamente, em função da qualidade de comerciante das partes, quer objectivamente, em função dá sua tipificação como tal na lei, natureza comercial. Refira-se, porém, que, apesar de o artigo 17.° do Código Comercial negar ao Estado e às autarquias locais a qualidade de comerciante, lhes reconhece, expressamente, a capacidade para a prática de

actos de comércio; tal consideração em nada altera, no entanto, o facto de o Deputado não estar a agir «no exercício de actividade de comércio», a incompatibilidade que a lei pretende prevenir.

Enquanto presidente da mesa da assembleia geral, não se pode considerar que o Sr. Deputado Macário Correia «detenha» qualquer «participação» na Federação Portuguesa de Ciclismo, pois não se trata de uma sociedade comercial mas sim de uma associação de direito privado sem fins lucrativos.

Finalmente, o cargo que ocupa nem sequer confere ao Deputado em apreço poderes para estipular os termos ou celebrar os contratos, quer com o INDESP quer com quaisquer outras entidades, em representação da Federação. A presidência da assembleia geral é um cargo representativo e de coordenação, mas não executivo nem deliberativo.

10 — Podemos, assim, concluir que a acumulação de actividades pelo Sr. Deputado Macário Correia não comporta, em princípio, impedimentos ou incompatibilidades.

As preocupações do legislador ao regular esta matéria vão no sentido de salvaguardar a liberdade e isenção do Deputado no exercício do seu mandato, não permitindo que se coloque em simultâneo no papel de potencial beneficiário e fiscalizador, impedir que se criem situações em que o Deputado utilize o seu mandato para obter vantagens e evitar que o Deputado tenha um acesso privilegiado a dinheiros públicos. Todos estes aspectos estão devidamente acautelados, desde logo, porque o cargo de presidente da mesa da assembleia geral tem funções que não são executivas.

11 — Por outro lado, os seus poderes, ainda que reduzidos, são igualmente limitados pelo disposto nas alíneas b) e c) do n.° 3 do artigo 26.° do Estatuto dos Deputados, que consideram especialmente susceptíveis de gerar incompatibilidades ou impedimentos pontuais o «desempenho de cargos sociais, ainda que a título gratuito», e também os «apoios ou benefícios financeiros ou materiais recebidos para o exercício das actividades respectivas».

12 —Por seu lado, o artigo 27.° estabelece especialmente como «causas de eventual conflito de interesses», «serem os Deputados [...] membros de órgãos sociais [...], de sociedades ou pessoas colectivas de fim desinteressado cuja situação jurídica possa ser modificada por forma directa pela lei ou resolução a tomar pela Assembleia da República», pelo que o Deputado em causa deverá, «quando apresente projecto de lei ou intervenha em quaisquer trabalhos parlamentares em Comissão ou em Plenário, declarar a existência de interesse particular na matéria em causa».

13 — São estes normativos os únicos que podem, eventual e pontualmente, aplicar-se à situação apresentada pelo Sr. Deputado Macário Correia, no caso, naturalmente, de se verificarem as hipóteses previstas na lei.

Conclusão

Face ao exposto, sou de parecer que a situação do Sr. Deputado Macário Correia, no que se refere à titularidade do cargo de presidente da mesa da assembleia geral da Federação Portuguesa de Ciclismo, não implica, à partida, qualquer incompatibilidade ou impedimento, sem prejuízo da obrigatoriedade de observância do disposto nos artigos 26.° e 27.° do Estatuto dos Deputados.

Lisboa, 20 de Junho de 1996.— O Deputado Relator, Paulo Portas. — O Deputado Presidente, Mário Videira Lopes.