6 DE JULHO DE 1996
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3 — São estas as premissas a que deve obedecer qualquer interpretação e integração das disposições legais sobre incompatibilidades e impedimentos. Sucede, porém, que estes principios orientadores não podem ser precludidos pelo principio da certeza jurídica e da interpretação restritiva da lei quando esteja em causa a limitação ou restrição de direitos. O direito e liberdade dos Deputados ao exercício de actividades, profissionais ou não, em regime de acumulação com o seu mandato, só poderá ser cerceado e restringido no exacto limite do texto da lei e, em caso de dúvida, por uma leitura restritiva da mesma. Qualquer interpretação extensiva ou aplicação analógica será de afastar.
Vejamos se os princípios orientadores acima enunciados são cumpridos ao não afastar liminarmente o exercício, em regime de acumulação, do mandato de Deputado e do cargo de presidente da Associação de Futebol de Viseu.
4 — O valor étíco-polítíco de isenção e imparcialidade que o Estatuto dos Deputados pretendeu acautelar parece estar suficientemente salvaguardado pelas obrigações impostas nos artigos 26.° e 27.°, onde estão previstas medidas de prevenção e deveres de comunicação obrigatória perante casos pontuais de impedimentos ou incompatibilidades.
5 — Por seu lado, a preocupação de impedir que o Deputado em causa utilize o seu cargo para benefício próprio não parece, tão-pouco, ser posta em causa, pois os modos de financiamento da Associação enunciados pelo Deputado, como sejam as taxas provindas das actividades desportivas, as receitas dos jogos, os subsídios atribuídos pela Federação Portuguesa de Futebol, os apoios do Totobola e a celebração de contratos-programa com o INDESP, são definidos por diplomas legais, genericamente aplicáveis aos clubes e associações desportivas.
Em particular no que se refere aos contratos-programa a celebrar com o INDESP, trata-se de um tipo de comparticipação financeira por parte do Estado a que têm direito todas as associações desportivas dotadas de utilidade pública, desde que observados determinados requisitos previstos na lei (v. artigos 27.°, 33." e 34.° da Lei de Bases do Sistema Desportivo) e de que beneficiam uma grande percentagem de associações desportivas. O Estado pretende, desta forma, incentivar e apoiar determinadas entidades, que considera serem de utilidade para os cidadãos, não ficando a sua concessão na dependência de quaisquer critérios arbitrários, susceptíveis de serem influenciados, pelo menos directamente, pelo Deputado.
Refira-se, mais uma vez, que sempre que esteja em causa uma iniciativa legislativa que possa suscitar conflitos de interesses, nomeadamente por aquela poder alterar a situação jurídica da Associação, o Deputado estará condicionado pelo artigo 27.° da Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto.
6 — Finalmente, cumpre averiguar se a preocupação do legislador em evitar que o Deputado, no exercício de qualquer actividade, lide com dinheiros públicos é acautelada. Esta será, porventura, a premissa menos segura na apreciação do problema colocado pelo Sr. Deputado Carlos Marta. Na verdade, o Deputado em causa, enquanto presidente da Associação de Futebol de Viseu, tem acesso a dinheiros públicos, provenientes, por exemplo, dos contratos-programa. Contudo, tendo em vista o objecto não lucrativo desta entidade e a não distribuição de lucros, bem como a afectação de fundos e comparticipações a fins específicos e determinados, somos levados a crer que o Deputado não poderá, em princípio, utilizar os dinheiros públicos a que tem acesso para proveito próprio ou de outra pessoa, singular ou colectiva a que esteja ligado.
IV — Conclusão
1 — Face ao exposto, sou de parecer que a situação do Sr. Deputado Carlos Marta, no que se refere à titularidade do cargo de presidente da comissão executiva da Associação de Futebol de Viseu, não implica, à partida, qualquer incompatibilidade ou impedimento, nos termos do previsto nos artigos 20.°, 21.° e 21.° da Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto.
2 — No entanto, deverá recordar-se ao Sr. Deputado a obrigatoriedade de observância do disposto nos artigos 2ó!° e 27.° do Estatuto dos Deputados. Esta norma prevê um dever de comunicação, por parte do Deputado, do conflito pontual de interesses que existe quando, em sede de Comissão ou de Plenário, esüverem em causa iniciativas legislativas ou de resolução que possam alterar a situação jurídica da Associação de que o Sr. Deputado Carlos Marta é presidente da comissão executiva.
Lisboa, 20 de Junho de 1996. — O Deputado Relator, Paulo Portas.—O Deputado Presidente, Mário Videira Lopes.
Parecer n.9 17/96 — Sobre a situação do Deputado Macário Correia enquanto presidente da mesa da assembleia geral
da Federação Portuguesa de Ciclismo.
1 — Em carta de 12 de Março de 1996 veio o Sr. Deputado Macário Correia informar esta Comissão que ocupa o cargo de presidente da mesa da assembleia geral da Federação Portuguesa de Ciclismo, enquadrando-se os estatutos desta entidade no regime legal das federações desportivas de utilidade pública (Decreto-Lei n.° 144/93, de 26 de Abril).
Mais informa o Deputado em apreço que a Federação celebra contratos-programa designadamente com o INDESP, com vista ao desenvolvimento da modalidade, faculdade conferida a estas associações pelos artigos 27.°, 33.° e 34." da Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei n.° 1/90, de 13 de Janeiro) e pelo n.° 3 do artigo 11." do citado regime legal das federações desportivas.
2 — A Federação Portuguesa de Ciclismo é uma pessoa colectiva que, integrando agentes desportivos, clubes ou agrupamentos de clubes, se constituiu sob a forma de associação sem fim lucrativo, tendo essencialmente como objectivos promover, regulamentar e dirigir a prática do ciclismo em todas as suas especialidades, representar perante a Administração Pública os interesses dos seus filiados e do ciclismo em geral, representar a modalidade junto de organizações congéneres internacionais e promover a ética e a lealdade na prática do ciclismo.
3 — Nos termos do artigo 27.° dos estatutos da Federação, é da competência da mesa dirigir as reuniões da assembleia geral. Ao presidente da mesa da assembleia geral compete, em particular, a convocação das reuniões, a sua orientação, bem como a direcção e disciplina dos trabalhos e demais funções que lhe sejam atribuídas pelos estatutos ou pelo regulamento interno da própria assembleia e pelas deliberações desta.
4 — De acordo com informações prestadas pelo Sr. Deputado Macário Correia a esta Comissão, o presidente da mesa da assembleia geral não interfere seja nas decisões tomadas em assembleia geral seja nos contratos celebrados com entidades públicas ou privadas.