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II SÉRIE-C — NÚMERO 21

Nos termos da carta-contrato que a empresa envia ao

IAPMEI. verifica-se que a relação daí decorrente tem por

objecto a concessão de um incentivo para aplicação na execução de um determinado projecto de investimento. Tal relação é minuciosamente regulada através de diversas cláusulas negociadas entre as partes: a cláusula 1.', depois de indicar o objecto do contrato, fixa o montante global do investimento; a cláusula 2.a, estipula sobre o montante do financiamento e as aplicações relevantes; a cláusula 3.*, sobre a componente de formação profissional; a cláusula 4.a, sobre pagamentos, admitindo-se que alguns dos pagamentos possam ser feitos contra a prestação de garantia bancária, sempre que esta for exigível; a cláusula 5.°, sobre as condições específicas de utilização do subsídio; a cláusula 6.*, sobre o acompanhamento e fiscalização do cumprimento das obrigações resultantes do contrato; a cláusula 7." enumera outras obrigações que impendem sobre a empresa promotora do investimento ou do projecto; a cláusula 8.° determina quem suporta os encargos com o contrato; a cláusula 9." prevê a hipótese de suspensão do contrato; a cláusula 10.* prevê a possibilidade de renegociação do mesmo; a cláusula 11 .* admite a possibilidade de cessão da posição contratual, mediante autorização ministerial; a cláusula 12.° ocupa-se da rescisão, e a cláusula 13." do início da vigência do contrato, que faz coincidir com a data da aceitação pelo IAPMEI.

O facto de as partes designarem este acto jurídico por «contrato» não seria suficiente para que lhe atribuíssemos natureza contratual. Mas, no caso em apreço, parece estarem efectivamente presentes os requisitos que justificam a sua qualificação como contrato.

No dizer do Prof. Doutor João de Matos Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, 2." ed., vol. i, p. 197), o contrato é um acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado, aceitação, do outro), substancialmente distintas, mas correspondentes, que visam estabelecer uma regulamentação unitária de interesses contrapostos mas harmónicos entre si. E neste conceito o autor expressamente acolhe os chamados «contratos normativos» ou «contratos tipo» e os «contratos de adesão».

Os contratos celebrados entre as empresas a que se encontra ligado o Sr. Deputado Henrique Neto não só correspondem à noção anteriormente apresentada como evidenciam os aspectos fundamentais do princípio da liberdade de contratar a liberdade de celebração, a liberdade de selecção do tipo contratual e a liberdade de estipulação, como ensina o Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa (in Direito das Obrigações, p. 185).

E sobre a distinção entre liberdade de celebração e liberdade de estipulação, o Prof. Doutor António Menezes Cordeiro é particularmente elucidativo quando escreve que a primeira é a possibilidade, por parte dos particulares, de actuar in concreto, de modo a provocar efeitos jurídicos, v. g. celebrar ou não um contrato, enquanto a segunda, a liberdade de estipulação, é a possibilidade que os privados têm de determinar concretamente os efeitos jurídicos a produzir, v. g. através da escolha do conteúdo do contrato a celebrar (v. Direito das Obrigações, vol. 1, p. 122).

Nos contratos em apreço, não só a empresa promotora tinha a possibilidade de celebrar ou não o contrato, como lhe assistiu ainda o direito de-conformar o seu conteúdo, ao menos parcialmente.

Do ponto de vista jurídico, outra questão que se põe é a da admissibilidade de contratos de direito público. Há muito se generalizou na doutrina a ideia de que nenhuma razão

jurídica se opõe à aceitação da figura do comato de direito

público (v. Inocêncio Galvão Telles, in Manual dos Contratos em Geral, 3* ed., p. 47).

Hoje, não só a lei admite a realização de contratos entre o Estado (ou qualquer outra pessoa colectiva de direito público) e os particulares, como a generalidade da doutrina administrativística procede à sua caracterização teórica.

Sobressai, antes de mais, a lição sempre actual de Marcello Caetano, que, nas várias edições do seu Manual de Direito Administrativo, nunca deixou de abordar pacificamente a matéria dos contratos de direito público, dizendo, nomeadamente, que este tipo de contratos «nasce do encontro de vontades, resulta de verdadeiro acordo livre sobre um objecto determinado», para, logo a seguir, afirmar, peremptório, «nenhum dos sujeitos considera definida e constituída a relação sem se verificar o mútuo consenso». E conclui: «Este contrato [o contrato de direito público] integra-se no género a que pertence o contrato civil e define-se pelos mesmos elementos essenciais: capacidade dos contraentes, mútuo consenso, objecto possível» (v. Manual, 5." ed., p. 278, e 9." ed., pp. 569 e segs.).

Na esteira de Marcello Caetano, embora com as especificidades próprias de um pensamento autónomo e mais próximos dos nossos dias, seguem Diogo Freitas do Amaral e J. Sérvulo Correia. Para este professor da Faculdade de Direito de Lisboa, «a manifestação de vontade da Administração [...] pode assumir as figuras do acto administrativo ou do contrato administrativo» (in Noções de Direito Administrativo, p. 382).

Diogo Freitas do Amaral, depois de referir que «normalmente, a Administração Pública actua por via de autoridade e toma decisões unilaterais, isto é, pratica actos administrativos», acrescenta que «muitas vezes, porém, a Administração Pública actua de outra forma, desta feita em colaboração com os particulares, usando a via do contrato» (v. Direito Administrativo, vol. m, p. 417).

Depois de tomar posição clara a favor da admissibilidade do contrato no âmbito do direito público {ob. cit, p. 420), Freitas do Amaral ultrapassa o quadro clássico das principais espécies de contratos administrativos (v. g. empreitada de obras públicas, concessão de obras públicas, concessão de serviços públicos, concessão de uso privativo do domínio público, concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar, fornecimento contínuo, prestação de serviços, onde se incluem o contrato de transporte e o contrato de provimento), admitindo outras espécies de contratos administrativos, de que dá os seguintes exemplos: contratos de concessão de exploração de bens do domínio público, contratos de fomento da exportação, contratos de desenvolvimento da habitação, «contratos-programa» (ob. cit., p. 452). A estes exemplos podemos acrescentar os contratos agora em questão, celebrados entre a Administração Pública e as empresas, no âmbito do PEDIP.

Sobre a qualificação da relação que se estabeleceu entre as empresas a que se encontra ligado o Sr. Deputado Henrique Neto e o IAPMEI, como relação contratual e quanto à sua admissibilidade no domínio do direito público, parece não subsistirem, pois, quaisquer dúvidas.

Para um melhor enquadramento jurídico da questão tem ainda interesse deixar registados os traços mais salientes do regime jurídico do Programa Estratégico de Dinamização e Modernização da Indústria Portuguesa (PEDIP n), que consta do Decreto-Lei n.° 177/94, de 27 de Junho, e de outros diplomas legais.

Logo no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 177/94 se afirma que, com este programa de incentivos, se pretende «apoiar