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II SÉRIE-C —NÚMERO 21

8 — Não havendo dúvidas quanto à natureza contratual da relação jurídica entre os contratantes, apesar de celebrados no âmbito do direito público, sendo certo que a Associação tem motivos e fundamentos legais para celebrar con-

tratos com o Estado ou outras pessoas colectivas de direito

público, como sejam os contratos celebrados com o INDESP ou com autarquias locais; parecendo claro que, em virtude do cargo de presidente da comissão executiva que ocupa, o Deputado em apreço tem competências alargadas no âmbito da actividade da Associação a que preside, nomeadamente poderes contratuais de estipulação e celebração, resta saber se, a serem celebrados tais contratos, estes integram a previsão do n.° 3 do artigo 21.°, ou seja, cumpre apreciar, por um lado, se pode considerar-se a actividade da Associação de Futebol de Viseu como actividade de comércio ou de indústria, se a celebração de eventuais contratos ocorre no exercício desse tipo de actividade e, por outro, se deve entender-se que é o Deputado, por si ou entidade em que detenha participação, que os celebra.

9 — Nos termos do artigo 2.° do Código Comercial, «serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário

do próprio acto não resultar».

Por seu lado, o artigo 13.° do mesmo Código estabelece que são comerciantes «as pessoas que tendo capacidade para praticar actos de comércio fazem deste profissão» e também «as sociedades comerciais».

Acresce que o n.° 1 do artigo 14." do Código Comercial proíbe expressamente a profissão do comércio «às associações ou corporações que não tenham por objecto interesses materiais», o que deverá ser estendido, segundo o Prof. Doutor Oliveira Ascensão, às pessoas colectivas de fim interessado mas não económico (in Lições de Direito Comercial, p. 223).

Ora, a Associação de Futebol de Viseu é uma pessoa colectiva de direito privado sem intuito lucrativo, logo não tem como objecto social principal actos de comércio, mas sim o desenvolvimento do futebol como modalidade desportiva.

10 — Os contratos-programa celebrados com o INDESP, bem como outros contratos celebrados com outras pessoas colectivas de direito público, têm como objecto a concessão de comparticipações financeiras ou subsídios às associações desportivas dotadas de utilidade pública, mediante a observância de requisitos como, por exemplo, a apresentação de programas de desenvolvimento desportivo e sua caracterização pormenorizada, especificação de formas, meios e prazos para cumprimento, apresentação dos custos e aferição dos graus de autonomia financeira (artigos 11.°, 27.°, 33.°, 34." e 36." da Lei de Bases do Sistema Desportivo).

Não se trata, pois, de uma comparticipação excepcional, mas sim de uma forma de incentivo e apoio de que beneficiam, em geral e em larga medida, as federações e associações desportivas.

11 — A celebração dos contratos acima indicados não tem, assim, natureza comercial ou industrial. Esta conclusão vale para a óptica subjectiva, pois nenhuma das partes tem a qualidade de comerciante, mas é também válida em termos objectivos, pois a concessão de apoios financeiros não se encontra especificamente regulada no Código Comercial como acto de comércio. Refira-se, porém, que, apesar de o artigo 17.° do Código Comercial negar ao Estado e às autarquias locais a qualidade de comerciante, lhes reconhece expressamente a capacidade para a prática de actos de co-

mércio. Tal consideração em nada altera, no entanto, o facto de o Deputado não estar a agir «no exercício de actividade de comércio».

E é esta —e não outra— a incompatibilidade que foi

visada pelo legislador na letra da lei. Se a apreciação das

situações de incompatibilidade tem de ser feita de forma rigorosa e séria, não podemos, por outro lado, proceder a uma interpretação extensiva da lei, criando incompatibilidades ou impedimentos que não se encontram na sua letra. A liberdade de exercício de funções em regime de acumulação é um direito dos Deputados, pelo que quaisquer limitações legais do mesmo deverão ser interpretadas restritivamente.

12 — Por outro lado, enquanto presidente da comissão executiva, o Sr. Deputado Carlos Marta tem, de facto, poderes de representação da Associação em matéria contratual, não se devendo, no entanto, considerar que «detenha» qualquer «participação» na Associação de Futebol de Viseu, visto tratar-se de uma associação desportiva e não de uma sociedade comercial.

13 — Muito embora a situação em análise não se enquadre nas disposições relativas aos impedimentos, não deixa de ter relevância para efeitos da posição do Deputado face às limitações inerentes ao seu mandato. O n.° 3 do artigo 26.° do Estatuto dos Deputados, ao regular o registo de interesses, considera especialmente susceptíveis de gerarem incompatibilidades ou impedimentos pontuais e subsequentes o «desempenho dé cargos sociais, ainda que a título gratuito», e os «apoios ou benefícios financeiros ou materiais recebidos para o exercício das actividades respectivas [...]» [v. alíneas b) e c)].

14 — Por seu lado, o artigo 27." estabelece especialmente como «causas de eventual conflito de interesses», «serem os Deputados [...] membros de órgãos sociais [...] de sociedades ou pessoas colectivas de fim desinteressado cuja situação jurídica possa ser modificada por forma directa pela lei ou resolução a tomar pela Assembleia da República» [n.° 2, alínea b)], pelo que o Deputado em causa deverá, de acordo com o n.° 1 do artigo 27.°, «quando apresente projecto de lei ou intervenha em quaisquer trabalhos parlamentares, em comissão ou em Plenário, declarar a existência de interesse particular na matéria em causa», ficando assim salvaguardada a situação de um Deputado se encontrar simultaneamente no papel de autoridade e potencial beneficiário.

ID — Apreciação ético-política

1 — Cumpre apreciar a situação em causa e o seu enquadramento jurídico à luz de uma interpretação teleológica das normas relativas a impedimentos £ incompatibilidades do Estatuto dos Deputados, tentando encontrar a verdadeira vontade do legislador ao regular esta matéria.

2 — A Comissão Parlamentar de Ética tem entendido que, ao elaborar a Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto, o legislador pretendeu, essencialmente, evitar três situações:

Que a liberdade e isenção do Deputado possa ser prejudicada, nomeadamente no que se refere à sua função fiscalizadora do Governo e da Administração Pública em geral;

Que o Deputado utilize o seu estatuto para obtenção de vantagens especiais para si ou outras pessoas ou entidades a que se encontre ligado;

Que o Deputado, no exercício de qualquer actividade, se cruze com dinheiros públicos.