6 DE JULHO DE 1996
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tividades de comercio (a título de actividade principal, entenda--se), como sejam o penhor, o depósito, o empréstimo, a fiança ou o mandato, está afastada a hipótese de considerar os actos platicados pela Federação como objectivamente comerciais.
10 — Consideremos, pois, a possibilidade de a actividade ser subjectivamente comercial, nos termos da segunda parte do artigo 2.° do Código Comercial.
O artigo 13.° do Código Comercial estabelece quem pode ser comerciante: as pessoas que, tendo capacidade para praticar actos de comércio,' fazem desta profissão (constituem elementos da profissionalidade a habitualidade, o fim lucrativo e a comercialidade substancial dos actos praticados) e também as sociedades comerciais.
A disposição, ao incluir as pessoas, singulares ou colectivas, que «façam profissão» dos actos de comércio, pressupõe uma prática reiterada desses actos com intuito lucrativo. Todavia, como sabemos, a Federação é uma associação sem fins lucrativos, pelo que fica prejudicada a previsão do n.° 1 do artigo 13.° Por outro lado, fica liminarmente afastado o n.° 2 do artigo 13.°, porquanto a Federação não é certamente uma sociedade comercial, de acordo com a tipificação do artigo 1,° do Código das Sociedades Comerciais, mas sim uma pessoa colectiva de direito privado.
De resto, o artigo 17.° proíbe, desde logo, a profissão de comércio às associações que não tenham por objecto interesses materiais, adiantando o Prof. Doutor Oliveira Ascensão que a proibição se estende às associações que tenham fins materiais mas não económicos.
Temos, pois, que os contratos celebrados pela Federação com pessoas colectivas de direito privado também não se inserem na categoria das actividades de comércio em sentido subjectivo.
11 — Cumpre ainda assinalar que os contratos-programa celebrados com o INDESP têm como objecto a concessão de comparticipações financeiras às associações desportivas dotadas de utilidade pública, mediante a observância de requisitos como a apresentação de programas de desenvolvimento desportivo e sua caracterização pormenorizada, a especificação de formas, meios e prazos para cumprimento ou a apresentação dos custos e aferição dos graus de autonomia financeira (artigos 27.°, 33.° e 34.° da Lei de Bases do Sistema Desportivo).
Não se trata, portanto, de uma comparticipação excepcional que p Deputado aufira pela sua qualidade de parlamentar, mas sim uma forma de incentivo e apoio de que beneficiam, em gera) e em larga medida, as federações e associações desportivas, sem distinção quanto aos titulares dos respectivos órgãos associativos.
12—Face ao que acima foi referido, não se poderá considerar que quer os contratos-programa com o INDESP quer os contratos de patrocínio sejam celebrados no «exercício de actividade de comércio», pelo que não integram o disposto na alínea d) do n.° 3 do artigo 21." da Lei n.° 24795, de 18 de Agosto.
13 — No entanto, tendo o legislador previsto a sensibilidade e complexidade deste tipo de situações que se encontram no limiar da previsão legal de impedimento, decidiu estipular o chamado «conflito de interesses». Na verdade, o n.° 3 do artigo 26." do Estatuto dos Deputados considera especialmente susceptíveis de gerar incompatibilidades ou impedimentos pontuais ou subsequentes o «desempenho de cargos sociais, ainda que a título gratuito», e os «apoios ou benefícios financeiros ou materiais recebidos para o exercício das actividades respectivas» [v. alíneas b) e c)].
13 — Por seu lado! o artigo 27.° estabelece especialmente como «causas de eventual conflito de interesses», «serem os Deputados [...] membros de órgãos sociais [...] de so-
ciedades ou pessoas colectivas de fim desinteressado cuja situação jurídica possa ser modificada por forma directa pela lei ou resolução a tomar pela Assembleia da República» [abnea b) do n.° 2], pelo que o Deputado em causa deverá, de acordo com o n.° 1 do artigo 27.°, «quando apresente projecto de lei ou intervenha em quaisquer trabalhos parlamentares, em Comissão ou em Plenário, declarar a existência de interesse particular na matéria em causa», ficando assim clarificada a situação de um Deputado se encontrar simultânea e teoricamente no papel de potencial beneficiário e de autoridade fiscalizadora.
IV — Enquadramento ético-político
1 — Apreciados que foram os factos numa óptica puramente jurídica, cabe analisá-los na dimensão ético-política, tentando apurar se a intenção teleológica do legislador foi alcançada.
A Comissão Parlamentar de Ética tem entendido que, ao elaborar a Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto, o legislador pretendeu, essencialmente, evitar três situações:
Que a liberdade e isenção do Deputado possa ser prejudicada, nomeadamente no que se refere à sua função fiscalizadora do Governo e da Administração Pública em geral;
Que o Deputado utilize o seu estatuto para obtenção de vantagens especiais para si ou outras pessoas ou entidades a que se encontre ligado;
Que o Deputado, no exercício de qualquer actividade, se cruze com dinheiros públicos.
2 — São estas as premissas a que deve obedecer qualquer interpretação e integração das disposições legais sobre incompatibilidades e impedimentos. Sucede, porém, que estes princípios orientadores não podem ser precludidos pelo princípio da certeza jurídica e da interpretação restritiva da lei quando esteja em causa a limitação ou restrição de direitos fundamentais. O direito e liberdade dos. Deputados ao exercício de actividades, profissionais ou não, em regime de acumulação com o seu mandato só deverá ser cerceado e restringido no exacto limite do texto da lei e, em caso de dúvida, por uma leitura restritiva da mesma. Qualquer interpretação extensiva ou aplicação analógica será de afastar.
No caso em apreço, encontramo-nos perante uma situação em que a vontade teleológica do legislador não será necessariamente salvaguardada, mas que a letra da lei não nos permite objectivar enquanto impedimento ou incompatibilidade genéricas.
3 — A liberdade e isenção do Deputado em causa não estarão necessariamente limitadas pelo facto de desempenhar o cargo de presidente da Federação Portuguesa de Futebol, porquanto a intervenção do Deputado será devidamente salvaguardada pela obrigatoriedade de comunicação do eventual conflito de interesses previsto nos artigos 27.° e 28."
4 — Quanto ao receio de que o Deputado possa servir-se do cargo para obtenção de vantagens especiais, para si ou para entidade a que se encontre ligado, como é o caso da Federação, remete-se para o acima aludido quanto ao carácter genérico da atribuição de comparticipações por via de contratos-programa com o INDESP. Trata-se de uma forma de incentivo prevista na Lei de Bases do Sistema Desportivo, largamente divulgada entre as federações desportivas com estatuto de utilidade pública, sendo que mais de 70 % des-