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9 DE NOVEMBRO DE 1996

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resultam da própria natureza do bem tutelado), nem tão--pouco os limites extrínsecos (os que decorrem do confronto com o objecto de outros direitos). Para além dos problemas que inevitavelmente surgem com a definição daquilo que existe, na intimidade, de valor imanente da pessoa humana [...], a determinação objectiva do que se entende por intimidade privada não se revela simples, quer na aplicação ao plano da realidade concreta, quer na justaposição aos outros atributos da personalidade. Daí que as legislações que simplesmente não proíbem determinados aspectos da invasão da intimidade se tenham ficado pela proclamação do direito à privacidade, deixando o preenchimento concreto do seu objecto à apreciação casuística da jurisprudência. A função jurisdicional, permite, por natureza, a adaptação da norma genérica à idiossincrasia do caso concreto (2).»

Ora, se é verdade que não existe uma determinação -rigorosa do conceito no plano do direito constituído, é preciso igualmente referir que existem suficientes consagrações legais que podem guiar o intérprete na aplicação da lei. Neste caso, a LADA.

Desde logo tenha-se presente, no plano constitucional, o reconhecimento do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.°, n.° 1, da Constituição; v. igualmente o disposto no n.° 3 do artigo 35." quanto à utilização da informática no tratamento de dados referentes à vida privada) e, no plano do direito convencional, a protecção da vida privada que resulta da Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 12.°) e que é reafirmada no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (artigo 17.°) e a previsão feita na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (artigo 8.°).

Em todas estas disposições normativas o conceito está consagrado mas não delimitado. Importa, pois, prosseguir.

É no plano civilístico que começamos a encontrar instrumentos úteis. O artigo 80." do Código Civil consagra o direito à reserva sobre a intimidade.da vida privada e no n.°2 estabelece que as bases objectivas a que se deve atender para determinar a extensão da reserva são a «natureza do caso» e a «condição das pessoas».

No domínio do direito criminal existe disposição que dá igualmente um contributo útil para a determinação do conceito: no capítulo sobre os crimes contra a reserva da vida privada, o artigo 178.° do Código Penal associa o conceito de vida privada a factos e circunstâncias relativos à intimidade da vida familiar, sexual ou a doenças graves. Aqui vemos, pela primeira vez, uma disposição normativa que expressamente integra questões de saúde no conceito de «vida privada».

Se a LADA considera dados pessoais, de entre outros, os abrangidos pela reserva da intimidade da. vida privada, a Lei da Protecção de Dados Pessoais face à Informática (Lei n.° 10/91, de 29 de Abril) consagra o princípio geral do respeito pela reserva da vida privada e familiar e no elenco dos dados pessoais sensíveis prevê os referentes ao «estado de saúde» ív. alínea b) do n." 1 do artigo 11.°, com a redacção dada pela Lei n.° 28/94, de 29 de Agosto)]. É possível concluir, da economia deste texto legal, que as informações relativas ao «estado de saúde» se encontram no núcleo mais central da reserva da vida privada.

(2) Rita Amaral Cabral, O Direito à Intimidade da Vida Privada, Lisboa, 1988.

Nesse sentido, e de forma que nos parece definitiva na apreciação do caso presente, vai o direito registrai. Assim: a declaração de óbito no registo civil deve ser corroborada pela apresentação de certificado médico que contém a informação sobre causa da morte (v. artigo 233.° do Código do Registo Civil e Portaria n.° 352/83, de 30 de Março). Contudo, tal informação não consta no assento de óbito (v. artigo 240.°). E assim é desde que o Decreto--Lei n.° 54/90, de 13 de Fevereiro, ao introduzir «pequenos acertos» no Código do Registo Civil, eliminou aquela informação do conteúdo do assento. Tal eliminação, no dizer do preâmbulo do referido diploma, foi ditada pelo objectivo de «obediência aos princípios relativos à protecção e respeito pela vida privada e familiar que enformam o direito português». Assim, mantendo-se o carácter público do registo, que se consubstancia no assento e no livre acesso a ele, retira-se publicidade à informação sobre causa da morte que consta da documentação arquivada e que serviu de base aos re- . gistos.

Parece, pois, ser possível concluir, da interpretação conjugada dos preceitos legais referidos, que, na ordem jurídica portuguesa, os dados sobre saúde e em particular os relativos à causa da morte se encontram incluídos na reserva da intimidade da vida privada.

Assim, o atestado ou relatório médico em que consta causa da morte deve ser considerado, face à LADA, como documento de carácter nominativo.

Refira-se finalmente que da aplicação ao caso em apreciação dos critérios fixados no n.° 2 do artigo 80.° do Código Civil para a determinação da extensão da reserva não resulta uma conclusão contrária.

7 — Abordemos agora a segunda questão: quem pretende aceder ao documento referido — no caso, o cônjuge sobrevivo — tem interesse directo e pessoal conforme prevê o n.° 2 do artigo 7.° da LADA?

É incontestável que sim. Se o cônjuge sobrevivo não tem interesse directo e pessoal em aceder ao documento onde consta a causa da morte do de cujus, quem teria?

Como suporte legal a esta conclusão pode invocar-se o disposto nos artigos 71.°, n.° 2, 73.°, 75.°, n.° 2, e 76.°, n.° 2, do Código Civil, onde para protecção dos direitos de personalidade de titular já morto se reconhece a posição jurídica do cônjuge sobrevivo.

Se, no âmbito daquela protecção, a sua posição está expressamente salvaguardada na lei, não se vê razão para que neste caso concreto e em matéria de acesso a documentos administrativos não se lhe reconheça interesse directo e pessoal.

8 — Duas questões devem ainda ser enfrentadas no presente processo.

Em primeiro lugar, deve suscitar-se a possibilidade de aplicação ao caso do disposto no n.° 2 do artigo 8.° da LADA.

De facto, «causa de morte» é inquestionavelmente informação de carácter médico. Contudo, a CADA, na aplicação da lei aos casos concretos, deve interpretá-la tendo presente a unidade e coerência da ordem jurídica. Assim, nesta matéria, não deve ignorar as disposições normativas e as práticas administrativas a que se subordinaria o acesso àquela informação, por via do sistema de registo civil, onde tal informação, «causa de morte», também constará.

Assim, se o atestado ou relatório a que se pretende aceder por via da administração do Hospital de Santa Maria contiver exclusivamente a informação que constará