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II SÉRIE -C — NÚMERO 6
provas dadas e a curricula capazes. Não é essa a questão que está em causa, e parece-me pouco sério e pouco consistente repetir a questão do INATEL. O ano passado, quando levantei este problema na discussão do Orçamento do Estado, não sei se foi o Sr. Ministro ou o Sr. Secretário de Estado que terá citado a questão do INATEL; este ano, tive o cuidado de ver, de ponta a ponta, o orçamento do INATEL e, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, é evidente que não é com o orçamento do INATEL que os problemas essenciais da cultura popular portuguesa e da sua cultura tradicional se resolvem. Aquilo que me parece,-acima de tudo, importante é que este tipo de projecto, este trabalho seja objecto de uma clara intervenção que não se reduza à acção corrente do Ministério, celebrando um acordo de investigação etno -musicológica com a Universidade Nova, celebrando mais tarde um acordo de qualquer outro tipo de apoio de recuperação, por exemplo, de registos fonográficos antigos, etc. Ou há um projecto capaz, com cabimento orçamental, que abranja não apenas uma ou outra entidade académica dispersa mas o conjunto da comunidade cientifica portuguesa nessa área, e o conjunto das actividades interventoras que, como o Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado sabem, largamente ultrapassam a área académica (não dou qualquer novidade porque quer o Sr. Ministro quer o Sr. Secretário de Estado são ambos docentes e sabem perfeitamente que a componente dos designados eruditos locais na investigação etnográfica e no levantamento de cultura popular é determinante) e, repito, se não há um programa, se não há atenção, se não há cabimento orçamental — e aqui o tempo funciona claramente contra nós — podemos, daqui a alguns anos, não ter cuidado de um património que, entretanto, se perdeu.
Para acabar, Sr. Ministro, a questão dos descontos na colecta do IRS: Sr. Ministro, eu até concordo com o Sr. Ministro das Finanças quando ele diz que não se fazem reformas fiscais com Orçamentos do Estado — não me parece que isto seja questionável — e não estou a pedir que o«Sr. Ministro corresponda a esse anseio nb Orçamento do Estado; pretendo apenas que me afirme a vontade política, se mantém ou não mantém a vontade política de fazê-lo e qual foi o resultado de um ano de trabalho entre o Ministério da Cultura e o Ministério das Finanças acerca desse assunto, ano de trabalho que foi anunciado em Janeiro deste ano. Finalmente, ficou também no esquecimento a pergunta que foi formulada acerca da articulação com a Expo 98, mas, como ainda falta um ano, teremos talvez ainda oportunidade de voltar a falar do assunto, ta)vez sem resultados mas com argumentos.
O Sr. Presidente (Henrique Neto): —Tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.
O Sr. José Niza (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, Sr. Secretário de Estado, gostaria de começar, pela nossa parte, por tranquilizar o Sr. Ministro em relação ao futuro do Ministério da Cultura porque penso que a questão que aqui foi colocada é apenas uma projecção freudiana que tem a ver com um problema de fundo eleitoralista ou eleitoral: o PS fez uma travessia muito longa e recordo que regressámos dos 19% para chegar aqui, onde estamos hoje; e como o PSD ainda não conseguiu chegar aos 19%, tenho a impressão de que vai ter de esperar algum tempo para a desejada recuperação. Penso que o Sr. Ministro não tem razões para preocupações nesta ma\èm.
Gostaria de colocar três questões muito concretas, que me preocupam, a primeira das quais tem a ver com a questão do património, não do património de que habitualmente se fala, o património das pedras e dos museus, mas do património musical: gostaria de recordar que existem gravações de discos (e estou a falar, fundamentalmente, do património fonográfico) há muitas dezenas de anos em Portugal e as fitas magnéticas têm o seu prazo de validade; tenho acompanhado, de há muitos anos, o que se passa nestas áreas. Conheço uma fonoteca onde está, talvez, mais de 50% do património da música portuguesa gravada desde sempre, e tenho um medo terrível de que, . um dia, aconteça aquilo que já aconteceu ao Chiado ou, agora, à Câmara Municipal de Lisboa. E lembro-me de uma história que se passou comigo, quando eu era Director de programas da RTP: um dia, às 7 horas e 30 minutos, telefonou-me o Director da Cinemateca da RTP dizendo que as latas dos filmes estavam a boiar numa cave de um prédio da Rua da Lapa! Nesse momento, estavam em causa anos e anos da única produção televisiva portuguesa que, nessa altura, era feita, como sabem, em filme. Em três dias, arranjou-se, no Prior Velho, um armazém onde ainda hoje estão as fitas, felizmente mais bem conservadas. Penso que, embora este seja um património privado, isto fundamentalmente tem a ver com duas editoras portuguesas: tem a ver com o património da Valentim de Carvalho e com o património que, actualmente, está disponível na Movieplay portuguesa, que agrupou um conjunto de editoras que tinham essas gravações. Portanto, são praticamente duas editoras que estão em causa mas penso que essas editoras, embora o património seja privado, têm de ser apoiadas pelo Estado porque, independentemente de acontecer uma desgraça, um incêndio, a verdade é que as fitas têm uma durabilidade limitada como, aliás, acontece com o vídeo e esse património hoje já é difícil de recuperar, mas é fácil de transferir uma vez que existe o sistema digital que permite a conservação desse património. Penso que esta é uma prioridade da cultura portuguesa. Sei que não é muito caro — e isto é importante — e penso que é um trabalho que terá de ser feito urgentemente.
A segunda questão (e apraz-me dizer isto) tem a ver, sobretudo, com o Sr. Dr. Vieira Néry porque se trata da guitarra portuguesa e ele é filho de um dos maiores guitarristas que Portugal teve até hoje: quando ouvimos os construtores de guitarras a dizer que estão a desaparecer, a dizer que não têm condições, eu fico preocupado se o único instrumento português, que temos em termos de ex libris musical, deixar de ser construído, se a guitarra deixar de ter escolas de música e se não se promover esta riqueza e este património — e ficaria muito triste se, daqui a 10 ou 20 anos, não houvesse um construtor de guitarras em Portugal. Penso que esta também é uma prioridade e penso que todos percebem que, da mesma maneira que os cabo-verdianos têm a morna ou que os espanhóis têm o flamengo, ou que os americanos têm o jazz (e não só os americanos), nós temos b fado e isso é uma riqueza inestimável — e o suporte instrumental do fado é a guitarra! Portanto, penso que há muita coisa a fazer nesta matéria e também é uma prioridade porque essas pessoas, esses construtores precisam de ser apoiados.
Finalmente, uma referência à questão do apoio à criação, que o Sr. Ministro referiu na sua primeira intervenção: vou deixar aqui um número, que seguramente ninguém conhece, que obtive da Sociedade Portuguesa de Autores há muito pouco tempo e que está relacionado com um debate que vamos ter aqui acerca da cópia privada;