19 DE NOVEMBRO DE 1997
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de Saúde pelos outros subsistemas, nomeadamente a ADSE e outras entidades. Então, o que temos aqui é a utilização de um número que não é verdadeiramente uma previsão rigorosa mas, sim, utópica, isto é, utiliza-se o global da dívida a cobrar a estas diversas entidades e inscreve-se no Orçamento do Estado como receita, o que permite, depois, equilibrar as contas e aparecer a receita igual à despesa. Ora, assim é relativamente fácil acertarmos o passo da receita com a despesa.
Mas há ainda outro dado curioso nesta matéria: é que, na área de cuidados de saúde, a precisão é tal quanto à previsão da execução, que, se no Orçamento para 1997 tínhamos 629 073 000 291$ para gastar nesta área, a previsão de gasto é de 670 073 000 291$, o que representa, rigorosamente, em relação ao previsto, um aumento de 41 milhões de contos. Isto, de facto, não havendo dados, é de um rigor e de uma precisão notáveis, que nos espantam!
Tudo para dizer que temos uma grande dificuldade em entender o que é que, de facto, vai ser a despesa, o que é que vai ser a receita e se estamos perante um orçamento que, como foi prometido, aguenta a dívida de 1997, e, portanto, não combate o seu aumento, ou se continuamos com um orçamento que, agora, já não no papel mas na prática, vem no seguimento dos anteriores, isto é, aumenta a dívida, com os consequentes reflexos no que diz respeito aos cuidados de saúde e à acessibilidade aos serviços de saúde, que, no fundo, é aquilo que nos preocupa mais a nós e à população.
Para terminar, quero lembrar ainda que, no ano passado, também nos foi dito que — e esta é uma última nota em relação à falta de números relativos à dívida —, se estavam a desenvolver mecanismos junto dos hospitais e de outras instituições do serviço nacional de saúde para ter um maior e mais rápido controlo daquilo que ia sendo gasto. Posto isto, mais se estranha que cheguemos aqui, um ano depois, e que os dados sejam menores do que os que tínhamos no ano passado, quando o tal sistema estava menos desenvolvido do que. estará, previsivelmente, este ano. Parece-nos que o que se passa aqui é uma situação de continuidade em relação ao subfinanciamento do sistema que põe em causa a acessibilidade e a garantia de cuidados de saúde para os portugueses, com a sua consequente degradação, subfinanciamento, esse, escondido, desta vez, para mais, sob números tão pouco claros e tão dificilmente legíveis.
A Sr.° Presidente: — Tem a palavra a Sr.° Deputada Maria José Nogueira Pinto.
A Sr." Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): — Sr." Presidente, Sr.° Ministra: Gostava de fazer uma breve análise deste Orçamento, em face de duas questões fundamentais: em primeiro lugar, o cumprimento ou não cumprimento do Programa do Governo na área da saúde; em segundo lugar, os pressupostos em que assenta a construção da receita e da despesa.
Em relação ao cumprimento do Programa do Governo, penso que tem estado um pouco abandonado. E, se pegarmos no relatório do Orçamento do Estado para 1998, podemos perguntar o seguinte: o que é que significa «aproximar o sistema de saúde do cidadão»? Penso que «aproximar o sistema de saúde do cidadão» significa, antes de mais, deixar que o cidadão chegue ao sistema de saúde —pelo menos, é esse o meu entendimento. Mas, então, para o cidadão chegar ao sistema de saúde, e já não digo para poder ter liberdade de escolha, que era algo que
me pareceu estar prometido no Programa do Governo — aliás, chamo a atenção para o facto de essa ausência de liberdade de escolha penalizar os cidadãos sectorialmente, às vezes por zonas das cidades, pois se o cidadão vive numa área de residência que é abrangida por um determinado hospital que funciona mal vai ser sempre um cidadão mal servido por viver naquela área, o que implica que a justiça do sistema ou a sua equidade já seja muito discutível —, há coisas muito simples, como os horários de funcionamento, a existência de médicos no local de trabalho, a expectativa criada com a existência de um serviço de saúde com uma tabuleta na porta, que nem sequer existem. Portanto, Sr.a Ministra, tenho de lhe dizer que, se fosse a Sr.° Ministra, não me preocuparia tanto em aproximar o sistema do cidadão, abriria, sim, um caminho para o cidadão chegar ao sistema, porque é isso que ele quer e é isso que ele hoje tem menos do que tinha há dois anos, o que é lamentável.
Depois, ainda no referido relatório, a Sr.° Ministra refere o «reforço das redes», quer dos cuidados de saúde primários, quer dos cuidados de saúde diferenciados, e, curiosamente, a este respeito, faz referência à «racionalização na utilização de recursos». Ora, o reforço das redes tem dois sentidos e, por isso, também me parece que este jogo de palavras podia ficar aqui minimamente esclarecido, a bem de todos nós. Assim, ou bem que reforça as redes, colocando as potencialidades dessas redes a render ao máximo, ou bem que aumenta a oferta dessas redes. Ora, a «racionalização na utilização» passa pela introdução de factores de correcção que estão previstos no Programa do Governo — e não estou a falar daquilo que penso estou a falar daquilo que este governo dizia que pensava e apresentou ao eleitorado — e supõe determinados mecanismos que não vemos aplicados ou sequer esboçados.
A propósito do que acabo de dizer, surge a questão da carta sanitária, que parece estar pronta, mas não sei que carta sanitária é essa, porque uma das questões que me parece mais preocupante, ao contrário do que se passa com as outras bancadas — e julgo que é o pleno das três bancadas, mas, nesta matéria, não me importo de ficar sozinha —, é que a oferta de cuidados de saúde em Portugal é excessiva. E assumo o risco desta afirmação! A oferta de cuidados de saúde, em Portugal, está mal distribuída, está mal rentabilizada e, através de mecanismos de racionamento, se assim se pode dizer, cria injustiças relativas, quer geográficas, quer de hospital para hospital ou de centro de saúde para centro de saúde.
Com tudo aquilo que já existe no serviço nacional de saúde, com tudo aquilo que está em vias de ser construído, penso que já era tempo de o Governo dizer que os hospitais com uma enorme subutilização, como sabemos existirem, por exemplo, nas Forças Armadas, que são igualmente públicos, que foram pagos com os nossos impostos e onde ninguém vai tratar-se, pelo que correspondem a uma oferta não utilizada, deveriam constituir a carta sanitária portuguesa. E que não são hospitais estrangeiros, são hospitais portugueses! Ora, com a ideia expressa no Programa do Governo de uma parceria com a capacidade de oferta privada, gostaria de saber se a carta sanitária que a Sr." Ministra tem pronta ou em vias disso contém toda esta oferta e se, por acaso, os seus técnicos e as suas direcções-gerais fizeram uma conta simples, que é a do rácio 1000 habitantes/cama em Portugal. É que tenho muito medo de que, daqui a 10 anos, tenhamos em Portugal o rácio mais exorbitante cama/cidadão para o pior