0186 | II Série C - Número 016 | 31 de Agosto de 2002
cooperação entre elas); (iii) ser dotada de estatuto, meios técnicos e pessoal altamente qualificado que lhe permitam um cumprimento eficaz das suas missões; (iv) assegurar a clara discriminação entre as funções de investigação e instrução de processos, por um lado, e do julgamento dos mesmos, por outro; e (v) responder simultaneamente perante o Governo e a Assembleia da República.
Sugere-se que a Assembleia da República promova uma discussão anual sobre a situação da concorrência em Portugal.
7. Ordenamento do território e ambiente
O território português sofreu transformações rápidas nos últimos 50 anos e hoje apresenta alguns traços marcantes: uma grande concentração de população no litoral, uma expressiva desertificação em certas zonas do interior e do sul e um sistema urbano muito desequilibrado. As fronteiras campo/cidade deixaram de ser claras. Depois de uma fase inicial de êxodo rural, hoje são os grandes centros urbanos que estão a envelhecer e a perder população em favor das periferias ou de fenómenos de dispersão ou de ocupação difusa, potenciados pelas novas acessibilidades, mas que escapam à lógica do ordenamento territorial. Uma parte do que tradicionalmente se chama "campo" está a ser apanhado por estas formas de crescimento urbano, outra vai ficando ao abandono.
Mas o território não se esgota no solo. Tratar o território como um recurso implica não esquecer a dimensão marítima e costeira do nosso país, com tudo o que ela implica ao nível físico, económico, geo-estratégico, ambiental, paisagístico, cultural e histórico.
O ordenamento do território deve ser uma componente essencial de uma estratégia nacional de desenvolvimento sustentável. Tem de articular-se com as restantes políticas económicas e sociais para dar resposta às necessidades das populações em termos de coerência global de usos do solo. Deve garantir também o acesso, económico e físico, à habitação, aos equipamentos e ao emprego. Tem uma forte conexão com a política de ambiente, que não pode ser apenas o saneamento básico e os recursos naturais, tem de ser tudo aquilo que nos rodeia, que envolve a saúde, as actividades produtivas, a vida urbana e a educação.
O ordenamento do território implica um exercício de cruzamento permanente de várias escalas e vários tipos de planos (territoriais, estratégicos, económicos) e uma atitude sistemática de avaliação dos seus resultados.
Os cidadãos têm o direito, reconhecido constitucionalmente, não apenas de conhecer, como de participar na definição clara e precisa das regras de ocupação do solo e das condições exigíveis para a sua transformação. A definição do que é possível e não é possível fazer nas diferentes situações concretas deve ser objectiva, atempada e estável.
7.1. Ordenamento do território
Sistema de planeamento
Portugal dispõe hoje de um conjunto de instrumentos legais para promover o ordenamento adequado do território. O sistema de planeamento previsto na lei de bases do ordenamento está, no entanto, incompleto e desequilibrado, além de carecer urgentemente de avaliação e articulação.
O CES chama a atenção para a urgência da aprovação do previsto Programa Nacional de Políticas de Ordenamento do Território (PNPOT) e para a necessidade de proceder a uma avaliação nacional do sistema de planeamento e dos planos territoriais vigentes. É fundamental que, na próxima geração de PDM, sejam tomadas medidas para a contenção das áreas urbanizáveis, a reabilitação e repovoamento das áreas centrais em desertificação, bem como a requalificação e hierarquização funcional das zonas de urbanização difusa e das áreas urbanas periféricas.
Mercado imobiliário, política de solos e política fiscal
Não basta que existam planos de ordenamento territorial. É fundamental que se promova uma cultura de respeito pelo interesse público, ao contrário das práticas hoje dominantes. A esmagadora maioria dos loteamentos apresentados a licenciamento visa aumentar indiscriminadamente os índices de ocupação e construção. O Estado e as autarquias colaboram no processo, através de planos e engenharias financeiras para rentabilizar os terrenos públicos. O estado actual das finanças locais também torna as autarquias demasiado dependentes das receitas de urbanização. O resultado está à vista: uma enorme pressão especulativa sobre o território e uma excessiva prioridade à construção nova sobre a reabilitação e requalificação.
O mercado de solos e do imobiliário é, aliás, neste momento, um dos mercados mais desregulados e, ao mesmo tempo, mais bloqueados em Portugal, o que parece um paradoxo, mas não é. O Estado tem de desempenhar um papel importante para tornar este mercado mais transparente e melhor regulado. É necessário criar instrumentos legais e financeiros que permitam às autarquias disponibilizar terrenos urbanos ou urbanizáveis a preços acessíveis, nos locais mais adequados. É imprescindível promover a reforma fiscal do património imobiliário, incluindo nomeadamente a actualização dos valores matriciais, por forma a combater, ao mesmo tempo, a evasão e as sobrecargas fiscais. E é necessário disponibilizar informação imparcial e actualizada sobre os valores das transacções, nomeadamente as que envolvem entidades públicas, que deveriam servir como valores de referência para regular o mercado.
À semelhança do que acontece na generalidade dos países europeus, não é aceitável a apropriação privada do essencial das mais-valias geradas com o financiamento por fundos públicos de infra-estruturas e equipamentos. Nem pode a totalidade ou parte dessas mais-valias, embora apropriada pelos poderes públicos, deixar de se traduzir em receitas (e correspondentes despesas) devidamente registadas nos orçamentos, como acontece frequentemente com negócios entre câmaras e particulares, "jogando" com loteamentos ou autorizações para construir. Os negócios com os clubes de futebol são, nesta matéria, um particular mau exemplo. A preocupação com este tipo de "desorçamentação" é tanto mais pertinente quanto é possível prever que, em contexto de dificuldade e de contenção financeira geral, aumente a tendência para departamentos do Estado ou municípios procurarem formas de "arranjos" atípicos, com vista à obtenção de fundos financeiros acrescidos.
A regulação do mercado imobiliário implica ainda uma redefinição clara das responsabilidades e das exigências profissionais de todos os agentes envolvidos no processo construtivo. Só nesse quadro se poderão combater a má qualidade da construção, o elevado grau de sinistralidade laboral e a proliferação de situações irregulares, em especial quanto à mão-de-obra imigrante.
É indispensável a elaboração de cartas de solos que permitam a implementação, aos níveis municipal, regional e nacional, de uma verdadeira política de solos e de ordenamento do território.