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II SÉRIE-C — NÚMERO 18

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‘representante do Governo’ junto de cada região, podem alinhar-se pelo menos dois argumentos:  Se a Constituição, embora delegando a opção política fundamental na Assembleia da República,

teve o cuidado de desenhar três traços característicos do cargo de ‘representante do Governo’ (nome, órgão competente para a nomeação dos titulares, e menção das funções principais a desempenhar), isso significa que, podendo haver ou não haver um tal cargo, se houver, ele terá de apresentar os três traços característicos definidos pela Constituição. A opção a fazer na Lei-Quadro não será, pois, a de criar ou não um cargo desse tipo, dotando-o com as funções que se lhe afigurarem mais convenientes, mas apenas a de criar o cargo, com aquelas funções, ou não o criar, deixando tais funções na titularidade do Governo central;

 A transferência por lei, precedendo habilitação constitucional, dos poderes de tutela administrativa, sobre as três espécies de autarquias locais previstas na Constituição, do Governo para os ‘representantes do Governo’, um em cada sede regional, é um caso de desconcentração legal de competências (do Governo para subalternos seus, a ele sujeitos por um vínculo hierárquico). Ora, a mesma Constituição, no Título IX da sua Parte III, dedica um preceito específico à ‘estrutura da Administração’ Pública, o artigo 267.º, em cujo n.º 2 determina que ‘a lei estabelecerá adequadas formas de descentralização e desconcentração administrativas (…)’. Há, pois, uma diretiva constitucional, dirigida aos órgãos legislativos, que manda tornar a nossa Administração Pública, entre outros aspetos, mais desconcentrada do que era, ou do que é. Isso deve entender-se que impede o legislador ordinário de, no caso de optar por criar o cargo de ‘representante do Governo’ junto de cada região administrativa, decidir ser menos desconcentrado do que a diretriz da Constituição exige.»

Do exposto, resulta uma primeira objeção óbvia: a direção da tutela administrativa sobre a região

administrativa, e todos os municípios e freguesias situados na região, ou terá prioridade, não deixando muito tempo livre para o exercício de outras responsabilidades não menos delicadas e exigentes, ou será secundarizada, com todas as consequências daí decorrentes.

Uma segunda questão relevante diz respeito às consequências organizacionais da rutura do sistema nacional de tutela administrativa com o saber fazer acumulado desde 1976 – mais de 40 anos – substituído por n, pelo menos 5, sistemas de igual natureza, finalidade e exigência, mas de âmbito regional.

A esse propósito Freitas do Amaral e Silva Pereira escreveram o seguinte27: «… tratando-se de fiscalizar a título permanente, em cada região administrativa, largas dezenas de

municípios e centenas de freguesias, isso iria agravar significativamente o acréscimo de burocracia que seria necessário criar junto dos Representantes do Governo em todas as regiões administrativas (pelo menos 5). E repare-se: em considerar agora a vertente financeira da tutela, onde hoje há apenas um serviço de inspeção das autarquias locais no Ministério da Administração Interna, com a criação de cinco ou sete regiões administrativas, e consequentemente de igual número de «representantes do Governo», os necessários serviços regionais de inspeção seriam também multiplicados por cinco ou por sete. Com a agravante de, em cada uma das regiões, ter de haver dois serviços diferentes (ou, pelo menos, duas subunidades do mesmo serviço) – o da tutela sobre a região, e o da tutela sobre os municípios e freguesias da mesma área regional.»

Na sequência do exposto, observe-se o facto de existem diversos serviços de tutela criados de novo,

funcionando sem uma cultura operacional comum ao longo de anos, o que conduz a uma certa disparidade entre regiões quanto a modalidades de abordagem e de valorização analítica e probatória no exercício de poderes de tutela. Adicionalmente, pode a disparidade agravar-se pela diversidade de situações específicas de regiões, municípios e freguesias. Em segundo lugar, e não menos importante, pela diversidade de experiências, conhecimento e inspirações preferenciais de cada um dos representantes do Governo. Nestas condições, pode ser um risco de discriminação propenso a explorações de carácter político.

Assim, a necessária unidade do país em termos da administração da tutela de Estado seria substituída no futuro por uma considerável fragmentação territorial, com um potencial de conotações políticas.