Manda a verdade dizer também que V. Ex.ª é coerente, porque na intervenção que fez aqui na 1.ª Comissão, a 11 de setembro, reitera ipsis verbis esta expressão. V. Ex.ª, na exposição escrita que traz à 1.ª Comissão, começa exactamente por utilizar, sem tirar nem pôr, esta expressão concreta "questões de estratégia operacional respeitantes à organização desta Direcção Central". Isto é claro, clarinho!
Em segundo lugar, segundo a nota dessa sua missiva, V. Ex.ª faz questão em sublinhar que repudia - e de forma veemente, como aliás, aqui está expresso - toda e qualquer interpretação de natureza política, nomeadamente a que tinha sido feita por certos órgãos de comunicação social, a qual lhe era inteiramente estranha. V. Ex.ª rechaça, de uma forma peremptória, toda e qualquer especulação que se faça relativamente às putativas pressões políticas que alguns, na altura, suscitavam que V. Ex.ª teria sofrido. Está aqui dito, preto no branco.
E, por último, V. Ex.ª vai ao ponto de - stupete gentes! - traçar, in fine, um elogio ao próprio Sr. Director Nacional, posto que diz que (e penso que isto não será apenas uma mera cortesia ou uma mera elegância da sua parte) "para aceitar este repúdio, relativamente a essas especulações e a essas interpretações, como prova da minha consideração pessoal e profissional e prova do meu respeito por V. Ex.ª".
Bom, esta expressão revela da sua parte, naturalmente, cortesia e elegância, mas estou em crer que, até pela sinceridade e genuinidade do seu depoimento, também corresponde, em rigor, àquilo que efectivamente lhe ia na alma, àquilo que V. Ex.ª pensava, naquela altura, naquele momento, sobre o Sr. Director Nacional.
A posteriori, como já referi, a 11 de Setembro, ainda com mais detença, com mais ponderação, mais reflexão - sem que haja, aqui, qualquer argumento lateral de precipitação ou de ligeireza -, V. Ex.ª reitera estas mesma razões na exposição que faz no início da sua intervenção na 1.ª Comissão.
A questão que importa aqui colocar, com a toda a sagacidade e pertinência, é esta: há alguma nuance, há algum facto superveniente, há alguma razão ulterior que tenha levado V. Ex.ª a mudar de opinião? Será que as razões que V. Ex.ª expendeu, no momento em que elaborou o fax enviado da Junta da Ericeira, o fax de 29 de Agosto, e a exposição que aqui apresentou no dia 11 de Setembro, na 1.ª Comissão… Será que ocorrerem alguns factos a posterior que tenham levado V. Ex.ª a retractar-se? A desdizer o que disse? A mudar de opinião?
Se há, gostava que V. Ex.ª esclarecesse. Porque, de outra forma, o que fica patente e notório - aqui, sim, é um facto público e notório, que não necessita de prova - é que V. Ex.ª, de uma forma clara, reiterada, persistente, sempre defendeu que as razões determinantes da sua demissão nada tinham a ver com as supostas pressões políticas, que aqui se está a tentar esclarecer, mas única e exclusivamente por razões de estratégia operacional.
Aliás, ainda a esse respeito, deixe-me dizer-lhe que V. Ex.ª também foi muito clara na 1.ª Comissão. V. Ex.ª disse, até dado passo, que era imune a pressões, porque isso fazia parte da essência do próprio magistrado. E até utilizou esta expressão curiosa: "sou daltónica, ou seja estou absolutamente imune a qualquer tipo de pressões".
Portanto, isso é acusação ou imputação que seguramente não colhe, relativamente ao seu perfil idiossincrático. V. Ex.ª foi clara sobre isso e, portanto, gostava de perceber claramente o que é que aconteceu - se é que aconteceu alguma coisa - para V. Ex.ª ter hoje, sobre esta matéria, uma opinião diferente da que tinha no dia 27 de Agosto, no dia 29 de Agosto e no dia 11 de Setembro.
Segunda questão: mais coisa menos coisa, da análise atenta das suas declarações, aqui, hoje e do cotejo com as declarações que V. Ex.ª proferiu a 11 de Setembro na 1.ª Comissão e, bem assim, comparando essas declarações com o que foi dito pelo Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, é absolutamente incontornável concluir - é um postulado axiomático - que o que está aqui na génese desta discrepância e deste conflito é apenas uma questão de modelo organizacional da Polícia Judiciária.
E eu diria, muito brevemente, que V. Ex.ª defende um modelo bem sustentado, com as razões a jusante justificadoras da complexidade e especificidade da comunidade económico-financeira.
V. Ex.ª cita três pontos: a dificuldade da natureza da criminalidade investigada, a questão da utilização de vários filtros na comunidade económico-financeira, a dificuldade dos tribunais e o logro na feitura e na realização da prova. Até, a dado passo, creio que cita a depressão que é objecto de um case study feito pelos ingleses, relativamente ao gato que existe entre o esforço feito pelos investigadores e o insucesso quanto à prova produzida em tribunal - o que, aliás, é um facto também manifesto e conhecido.
Sabemos estas razões, que aliás, são fundadas. Conhecemos o seu modelo, as recomendações do Conselho de Tempere, a UCLEFA (Unidade de Coordenação da Luta conta a Evasão e a Fraude Fiscal e Aduaneira), a GRECO, enfim, todas essas instâncias internacionais que apontam para uma estrutura central organizada que possa ser eficaz no combate à criminalidade económico-financeira, face ao seu carácter mutante (esta expressão é sua) e à sua recomposição rápida. Conhecemos e sabemos.
A pari, a opinião do Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária é outra. Sabemos que o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária também, de uma forma bem intencionada, procura combater com eficácia a criminalidade económico-financeira, mas sustenta que tem de haver alguma parcimónia de meios; sustenta que tem de haver uma estrutura centralizada; que não pode haver "sol na eira e chuva no nabal", em matéria de meios dispostos pelos diversos departamentos da Polícia Judiciária.
Nesse sentido, ele preconiza o modelo atinente à centralização dos departamentos, que V. Ex.ª interpreta como uma desconcentração das competências que vai levar à perda de eficácia do combate ao crime económico-financeiro e sabemos que ele também defende a criação de um novo departamento que possa fazer a gestão financeira de todos os departamentos da Polícia Judiciária. Daí, de facto, a proposta por ele veiculada e já alinhavada de uma reforma da Lei Orgânica da Polícia Judiciária.
Em suma, tudo visto e ponderado, o que está aqui em causa é somente isto: são dois modelos diferentes de organização da Polícia Judiciária, que, salvo melhor opinião, qualquer um deles tem, pelo menos, o benefício da dúvida de poder ser eficaz no combate ao crime económico-financeiro e ao crime organizado transnacional. Pelo menos, temos de dar esse benefício da dúvida.
Ou, então, pergunto à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: será que V. Ex.ª, sem prejuízo da inegável competência que lhe reconheço e que, penso, todos lhe reconhecem, julga ter um monopólio dos instrumentos e do conhecimento necessário para traduzir o combate à criminalidade económico-financeira num combate eficaz? Será que V. Ex.ª é uma