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longo da sua evolução histórica criou paisagens com clareiras ou totalmente desflorestadas,

como registado em diversos documentos dos finais do século XIX e início do século XX. Tal

levou à publicação do Decreto de 25 de novembro de 1886 que cria os Serviços Florestais e

define o Regime Florestal e mais tarde à sua efetiva implementação pelo Decreto de 24 de

dezembro de 1901.

Em geral, a agricultura, a criação de gado e a floresta constituíam um sistema de gestão tendo

por base o uso do fogo e o pousio. A paisagem era dominada por um agrossistema dividido em

ager (terreno cultivado), saltus (pastagens) e sylva (mata), cada um com um regime próprio de

aplicação do fogo. Este sistema criou mosaicos interdependentes e cuja dinâmica era

determinada pela comunidade humana. Este sistema permitiu encaixar cada uma das peças

que compõem a paisagem rural e manter os seus processos ecológicos, onde o fogo

disponibilizava a energia necessária para alimentar e manter a estrurura e dinâmica do

sistema. Quando esta paisagem perde uma das componentes que a formaram e não retém o

fogo antropogénico, então o fogo de origem natural alimentar-se-á do combustível acumulado e

irá impor um regime alternativo de fogo (Pyne, 1996).

A par das mudanças que afetam as comunidades rurais e as paisagens, ocorreu desde o início

do século XX uma maior pressão sobre o uso tradicional do fogo, materializada pela publicação

de diversos diplomas legais até aos dias de hoje que se traduzem no seu condicionamento,

atualmente muito mais restritivo, e, inclusive, na sua criminalização. Embora o arranque deste

processo legislativo se tenha iniciado muito antes, o foco principal não foi tanto o uso do fogo

nem os incêndios florestais, mas sobretudo a atividade de pastoreio. Com a implementação do

Regime Florestal e do Plano de Povoamento Florestal através da Lei n.º 1971 de 15 de junho

de 1938, acentuaram-se os conflitos com as comunidades rurais, desencadeando-se fortes

protestos e resistência às restrições impostas ao usufruto dos montes comunitários (baldios), a

base do sistema agrário das comunidades rurais e daqueles que não possuíam propriedades e

usufruíam de direitos garantidos por tradição ao longo dos séculos, dependendo dos recursos

florestais tais como pastagens, lenhas, madeira, pedra para construção e água de rega, e das

pequenas parcelas do baldio (as “sortes”) para cultivo, imprescindíveis em períodos de fome

(Devy-Vareta, 2003). A imposição autoritária de arborização da paisagem rural, retirando

direitos tradicionais às suas comunidades, incidiu também na perseguição e criminalização de

usos e práticas milenares, em particular o fogo, usado por aquelas como instrumento de

protesto. Segundo Devy-Vareta (2003), a emigração e o êxodo rural para as áreas urbanas do

litoral na década de 60 do século passado desestabilizam as práticas comunitárias tradicionais

e a forte regressão populacional conduziu a acentuada redução do aproveitamento dos

recursos florestais nos baldios, diluindo-se as relações e práticas ancestrais.

O investimento realizado pelo Estado central ao longo de várias décadas após a

implementação do Regime Florestal em 1901 e do Plano de Povoamento Florestal de 1938,

criou vastas áreas, essencialmente de pinheiro-bravo, em conflito com as comunidades rurais,

o que tornou os povoamentos muito vulneráveis ao fogo. A ameaça crescente dos incêndios

florestais levou à exclusão e criminalização do uso tradicional do fogo à medida que os

povoamentos florestais se iam instalando em áreas anteriormente geridas para pastoreio e por

outras práticas tradicionais.

É neste cenário que em 1975 o piro-ecólogo estadunidense Edwin Komarek visita o país, em

particular o Parque Nacional da Peneda-Gerês, a convite do Eng. José Moreira da Silva dos

Serviços Florestais, e ambos ensaiam o uso do fogo controlado. Estes primeiros ensaios

II SÉRIE-B — NÚMERO 14______________________________________________________________________________________________________

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