preferível fazê-la agora do que reservar um capital de obscuridade que seja pago em Orçamentos rectificativos do próximo ano. Os Orçamentos rectificativos podem ser uma necessidade do ponto de vista contabilístico ou social perante circunstâncias imprevisíveis; no entanto, quando são impostos pela imprevisibilidade já inscrita no próprio Orçamento, ou seja pela sua incapacidade de responder à contingência da sua própria política, significa má política, significa deslize orçamental, significa falta de rigor. Creio que este é o risco essencial que enfrentamos neste Orçamento.
Em algumas matérias, o Governo tem vindo a demonstrar preocupação com os sinais da conjuntura; o Governo mudou radicalmente o seu discurso sobre o cenário macroeconómico desde os tempos em que começámos a discutir o Orçamento na generalidade, passando pelo debate, na generalidade, em Plenário, até à discussão na especialidade. O Governo abdicou dos seus cenários cor-de-rosa, extraordinariamente optimistas, aliás, por razões óbvias, porque todos os cenários que, desde então, todas as instituições internacionais, uma após outra, têm vindo a fazer, incluindo, a nível nacional, o próprio Banco de Portugal, têm confirmado aquilo que era óbvio, que estamos num período de aproximação de um contexto recessivo. E, portanto, desse ponto de vista, o argumento político, que era o único que restava, é frágil. O argumento político era que o Governo não queria fazer profecias negativas, porque elas são auto-satisfatórias - e a profecia negativa prejudicaria as expectativas dos agentes. Mas o que é preciso é uma profecia - se, porventura, a palavra tem algum sentido -, uma previsão realista que conduza a uma política que combata aquilo que prejudica as expectativas dos agentes.
É por isso que um cenário mais realista, com uma política mais ousada no combate ao risco recessivo, é muito mais credível para os agentes do que uma política que lhes promete um cenário extremamente expansivo e que não toma as medidas contra a recessão, que era o que o Governo estava a fazer.
Houve mesmo um Sr. Deputado socialista que, dando uma prova de "amor" pelo Governo, que é raramente igualável, chegou a escrever que o Orçamento e as previsões do cenário macroeconómico do Orçamento, que eram expansivas, eram tão entusiasmantes que as organizações internacionais, ao lê-lo, tinham revisto em alta as suas projecções macroeconómicas. É uma declaração de sentimentos profundos, mas não foi seguida pelas organizações internacionais.
O Sr. Ministro das Finanças (Guilherme d'Oliveira Martins): - Por acaso, foi!
O Orador: - Portanto, como vemos, desde então, as coisas correram pior, Sr. Ministro. Creio que, hoje, o Sr. Ministro não terá, mesmo com toda a sua capacidade retórica, a capacidade de nos vir dizer que hoje as organizações internacionais estão a prever um 1.º semestre de 2002 florescente.
É tudo, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Pires de Lima.
O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro das Finanças, há um mês atrás, quando iniciámos esta discussão orçamental, em sede da Comissão de Economia, Finanças e Plano, qualificámos esta proposta orçamental como uma fantasia, uma fantasia eventualmente ingénua - os acontecimentos de 11 de Setembro talvez ainda não tivessem sido totalmente interiorizados pelo Governo no Orçamento; os dados da execução orçamental de Setembro e de Outubro ainda não eram conhecidos… Enfim! Agora, face ao que se está a passar em termos de execução orçamental, uma de três, Sr. Ministro: ou os senhores são tecnicamente de todo incompetentes, no que o CDS-PP não quer acreditar, obviamente; ou vos falta seriedade intelectual para reconhecer que os números do Orçamento não são correctos, e o CDS-PP, também não quer acreditar nesta possibilidade; ou, então, toda esta equipa das Finanças (e isto depois contagia-se a todo o Governo) está já imanada de um estado de delírio voluntarista que ameaça pôr a credibilidade das finanças do País de pantanas!
Vou explicar por que é que faço esta avaliação, depois de conhecidas as previsões macroeconómicas para este ano e, acima de tudo, depois de conhecido o estado da execução orçamental até Outubro.
Por exemplo, ao nível das receitas em IRC, os senhores têm, até outubro, um decréscimo desta receita, face ao ano passado, de 10,2%; tinham estimado há um mês, quando apresentaram o Orçamento, terminar com um desvio negativo de, praticamente, 0% (0,3% mais concretamente); para o próximo ano, não só vão ser afectados pela descida do IRC como previram um aumento da receita de 6%. Mas atenção: se mantivermos, até ao final do ano, o padrão de execução orçamental que se verificou até Outubro, tal significa que no próximo ano, para os senhores poderem cumprir o Orçamento que estão a aprovar neste momento, vão ter de aumentar a receita em IRC de 15%. Isto é, se terminarem este ano 7% ou 8% abaixo do que tinham previsto - e neste momento, até Outubro, quando faltam dois meses para terminar o ano, o vosso desvio é de 10% -, para o próximo ano os senhores vão ter de aumentar a receita de IRC em 15%.
Ao nível da receita global fiscal, os senhores terminaram o mês de Outubro com um crescimento, face ao ano passado, de 2%. A estimativa com que iniciaram a discussão deste Orçamento apontava para um crescimento, até ao final do ano, de 4,4%. O que significa isto? Significa que, no próximo ano, para poderem cumprir com o nível de receita fiscal que têm orçamentado, não vão ter de crescer 6,5%, que era o que estava orçamentado e que era já, de todo, impensável atingir-se com as previsões macroeconómicas que começam a florescer, mas, sim, quase 10%. Isto é, o que está implícito no Orçamento que pretendem aprovar nesta Câmara, de forma séria, é um crescimento da receita fiscal face à execução prevista este ano, com os dados que temos em Outubro, de praticamente 10%.
Se olharmos pelo lado das despesas, as coisas não são melhores, diria até que são mais graves.
Vamos olhar para as despesas com pessoal, que foi um tema que já aqui foi referido em abundância por outras bancadas parlamentares. Até Outubro, os senhores têm um crescimento da despesa com pessoal de 10,2%; gastaram, salvo erro, mais 60 milhões de contos do que o que tinham previsto. Tinham previsto terminar o ano (e, portanto, já só faltam dois meses) com um crescimento de 6,7% e, no próximo ano, propõem-se, em Orçamento do Estado, crescer apenas 3%. Sabem, o Sr. Ministro e a sua equipa, o que isto significa? Isto é, se nós no final do ano terminarmos com um crescimento da despesa de pessoal na casa dos 10%, que é o que se verifica neste momento, tal significa que em termos orçamentais temos uma margem para crescimento das despesas com pessoal, no próximo ano, de 0% - nem sequer 3%!