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22 DE ABRIL DE 1988 179

o Presidente da República tem um estatuto desse tipo. Penso que há aí uma desproporção em relação aos objectivos que se pretendem atingir.

A proposta do PCP refere também a fiscalização da constitucionalidade das normas. Isso já existe e, portanto, não se justifica estar a ser repetido aqui, tanto mais que, como foi salientado pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, não é suprimido nos lugares competentes da fiscalização da constitucionalidade.

O problema da acção pública é, como já se viu hoje, mais importante. E porquê? Em primeiro lugar, parece que é contrário à natureza do Provedor de Justiça cometer-lhe uma tarefa - que hoje existe em termos efectivamente latos - de acção pública em relação ao Ministério Público. Por outro lado, tenho as maiores dúvidas de que deva ser consignada uma acção pública com a generalidade daquela que aqui aparece. Tanto mais que, quando se refere a afectação de "interesses gerais", só aparentemente isso tem algum tipo de restrição. É que sempre que há uma ilegalidade há, pelo menos, um interesse geral, que é a legalidade que é ofendida, o que, portanto, é praticamente a mesma coisa que dizer que são ilegais. A meu ver, não há nenhuma distinção que venha a ser dogmaticamente possível entre essa afectação de interesses gerais e a ilegalidade.

O problema dos interesses difusos já é diferente, mas, nessa matéria, julgo que o critério de distinção, a seguir-se um caminho de acção popular ou mesmo um tipo de acção pública, nunca deveria ser cometido ao Provedor de Justiça. Por outro lado, a orientação que tem sido seguida nos países onde se tem consignado a defesa de interesses difusos tem sido a de cometer essa defesa a entidades e pessoas colectivas já institucionalizadas, a quem é conferida uma particular legitimidade para defender esses interesses difusos, que de qualquer modo, apesar de difusos, são identificados por sectores e não são os interesses difusos em geral. Inclusivamente, pode admitir-se que entidades de facto com determinadas características sejam as defensoras desses interesses difusos, mas sempre - repito - identificados.

Tal como se encontra aqui consignada, não identificando, de uma maneira pelo menos sectorial, os interesses difusos e cometendo ao Provedor de Justiça uma matéria que manifestamente é contrária àquilo que até agora é o figurino do instituto, parece-me que esta norma não deveria ser consignada na Constituição.

Em relação ao problema do esgotamento das vias hierárquicas, que foi referido há pouco pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, gostaria de dizer o seguinte: não conheço a interpretação do Tribunal Constitucional, mas julgo, salvo o devido respeito, que ela é errónea, porque o texto da Constituição é claríssimo quanto a essa independência, que não pode ser condicionada ao esgotamento de quaisquer meios.

Existe um outro problema que está relacionado, de algum modo, com o âmbito da actividade do Provedor de Justiça e que tem sido motivo de alguma preocupação, embora se tenha estabilizado uma certa interpretação sobre isso, que é o que respeita à possibilidade de acção do Provedor de Justiça em matéria de tribunais. Como VV. Exas. sabem, tem havido várias intervenções da Provedoria de Justiça acerca da lentidão dos tribunais. Isto tem suscitado a questão da independência dos tribunais e dos processos próprios existentes no seio da ordem judiciária que garantem a legalidade do funcionamento processual e a organização dos próprios tribunais. E poderá eventualmente haver interesse em aprofundar a questão.

Em relação ao problema do direito de resposta e do dever de cooperação dos cidadãos, julgo que o direito de resposta da Administração Pública é algo que resulta de um dever funcional. Tenho dúvidas de que se justifique essa consignação constitucional e os termos em que é feita, mas essa é uma matéria que depois poderemos ver de uma forma mais detalhada.

Onde tenho as maiores dúvidas é no que diz respeito à consignação do dever dos cidadãos de cooperar com o Provedor de Justiça em termos de obrigatoriedade. Isto é, penso que há um dever cívico de cooperar com a Provedoria de Justiça e compreendo os propósitos que animam a acção do Provedor de Justiça, mas julgo que fazer impender sobre os cidadãos mais um dever, que, inclusivamente, para ter sentido deve ser juridicamente sancionado, é contrário à própria ideia básica que deve animar a Provedoria. A Provedoria não é uma instituição com características contenciosas e de garantia dos direitos em termos de uma tutela próxima de uma tutela jurisdicional, mas sim um elemento adjuvante e correctivo, sobretudo através da persuasão em relação, basicamente, à Administração Pública. De resto, foi assim que a instituição nasceu. Assim, não me parece que seja de fazer incumbir sobre os cidadãos mais um dever. Compreendo os motivos que justificam a apresentação da proposta da ID, mas penso que, porventura, isso poderá ter efeitos indesejáveis.

Já no que diz respeito ao dever de cooperação dos órgãos da Administração, tal como ele está consignado no projecto do Partido Socialista, não se me colocam o mesmo tipo de dificuldades.

Uma última consideração que gostaria de fazer a propósito da acção pública diz respeito ao seguinte: hoje em dia o Ministério Público tem a possibilidade de recorrer em relação a todos os actos administrativos e até regulamentos que sejam ilegais, quer ofendam ou não interesses individualizados, o que, na prática, se traduz num elemento objectivo do contencioso administrativo, que, aparentemente, tem uma preocupação de legalidade, mas, em última análise, é uma nota de colectivismo e de indisponibilidade das situações individuais, sobretudo quando se considera, como a maioria da doutrina entende, que as anulações, do ponto de vista do âmbito subjectivo do caso julgado, abrangem os indivíduos que não recorreram e, inclusivamente, manifestaram o seu interesse em não recorrer. Isto para introduzir um elemento adjuvante à cautela que é necessária na introdução destes elementos colectivistas, em termos de acção pública.

Em termos de filosofia, a questão já é diferente. Para mim, é curioso verificar que hoje o Partido Comunista utiliza a expressão "sociedade civil" num sentido bastante contrário àquele que Marx utilizava. Como VV. Exas. muito bem sabem, Marx entendia que o Estado estava ao serviço da sociedade civil e que, de algum modo, a traduzia. A sociedade civil era entendida tal como a sociedade económica. Vejo agora que o PCP se converteu a uma ideia diversa da sociedade civil.

O Sr. António Vitorino (PS): - É uma ideia gramsciana!