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22 DE ABRIL DE 1988 185

O Sr. Presidente: - Registei três inscrições para o uso da palavra: as dos Srs. Deputados Costa Andrade, Mário Maciel e José Luís Ramos. Antes, porém, quero eu próprio referir, tentando fazer uma análise o mais sucinta possível, que, em termos pessoais e como católico, subscrevo integralmente a posição do Sr. Deputado Mário Maciel quanto à sua interpretação sobre o momento do aparecimento da vida. Porém, não é este o problema que estamos aqui a discutir, mas sim a proposta do CDS, sobre a qual a minha posição vai no sentido de supor que cabe ao legislador ordinário, no que respeita ao artigo 24.°, a interpretação mais conveniente e mais consentânea com a plenitude da protecção da vida, independentemente de se saber se uma interpretação do n.° 1 deste preceito, do ponto de vista dogmático, inclui ou não a proibição do aborto, ou seja, de se saber qual é a tradução que o legislador ordinário pretende fazer mais compatível com os valores fundamentais e com aquilo que é, no fundo, o pensamento maioritário do povo português nessa matéria. E isso compete ao legislador ordinário. De resto, não se trata de uma matéria que exija qualquer maioria qualificada de dois terços, sendo, em consequência, perfeitamente possível estabelecê-la por maioria simples. Logo, não se antevê nenhuma vantagem nesta proposta do CDS, a não ser eventualmente aquela que habilmente, como sempre, o Sr. Deputado José Magalhães aventou, ou seja, a de pretender descortinar qual o posicionamento do PSD nesta matéria.

Por consequência, a nossa posição é muito clara. Entendemos que não há vantagem em introduzir qualquer modificação no texto constitucional, competindo ao legislador ordinário a interpretação que entenda ser não só consentânea com o texto constitucional e que corresponda melhor a todos os valores constitucionalmente defendidos, como também aquela que, por razões de oportunidade, considere igualmente útil. Na nossa perspectiva, não é curial renovar nesta sede uma discussão, que caberá, naturalmente, em matéria de legislação ordinária. Isto é, a nossa posição é idêntica àquela que existiria se, hipoteticamente, tivesse havido uma proposta no sentido de se consignar num n.° 3 do artigo 24.° um aditamento permitindo o aborto.

Entendemos que o texto da Constituição se deve manter com a redacção actual, sem prejuízo de, do nosso ponto de vista, no momento oportuno e se o caso vier a ser reproposto, nos manifestarmos quanto à opção que o legislador ordinário deverá eventualmente tomar.

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Considero também, fundamentalmente no mesmo sentido do que já foi dito pelos colegas de bancada, que não existe grande vantagem na inclusão, no artigo 24.°, do inciso "desde o momento da concepção".

Em primeiro lugar, gostaria de desfazer alguns equívocos em que labora, segundo creio, sobretudo o CDS. O equívoco é fundamentalmente o seguinte: quer se mantenha a expessão consagrada na Constituição, ou seja, a de que "a vida humana é inviolável", quer vingue o sentido proposto pelo CDS, isto é, o aditamento "desde o momento da concepção", a posição constitucional, no que toca à criminalização do aborto, é a mesma. Ou seja, a Constituição não resolve o problema da imposição ou não do aborto, pois não resulta dela um imperativo de criminalização do aborto nem para o legislador ordinário qualquer obrigação no sentido de criminalizar o aborto. Portanto, o Constituição não prejudica o problema do aborto, problema de política criminal que o legislador ordinário deve decidir.

Parece-me importante que se diga que com esta proposta nem o CDS nem a Constituição resolvem o problema do aborto em termos de direito constitucional. Isto por uma razão extremamente simples: é que o juízo de criminalização é um juízo necessariamente fragmentário e nenhum valor absoluto da Constituição passa para o direito criminal com a plenitude da sua tutela. A vida humana é inviolável, mas toda a gente sabe - é uma evidência - que pode ser violada, por exemplo, em caso de legítima defesa, inclusivamente de bens patrimoniais.

Assim sendo, saber se o aborto deve ou não ser punido implica a resposta a algumas questões. O bem fundamental em causa é digno de tutela? Parece-me irrecusável que sim. O direito penal é o instrumento adequado para proteger essa vida? Há quem diga que sim e há quem diga que não. A intervenção do direito penal produz mais vantagens ou mais custos? Há quem defenda que produz mais vantagens e há quem defenda que produz mais custos, isto é, que introduz mais disfunções sociais do ponto de vista da tutela da vida.

Convém, portanto, não assentar neste equívoco em que o CDS - não sei com que sinceridade - assenta, que é o de pensar que por via deste aditamento se inconstitucionaliza qualquer lei do aborto. Não se inconstitucionaliza lei nenhuma e não se furta nenhum dos partidos a assumir as suas responsabilidades nessa matéria. E aí estou à vontade, porque tenho assumido as minhas. Não só presentemente o aborto não é inconstitucional, isto é, a despenalização do aborto não é inconstitucional, como nunca o seria à base desta lei. É importante que fique claro que o legislador ordinário e as pessoas que formarem maiorias ficam com a sua responsabilidade plenamente em aberto. Ou seja, não pensem os promotores desta proposta - e utilizando agora uma expressão em voga na sociologia - que reduzem já a respectiva complexidade, pois ela permanece toda em aberto para o legislador ordinário.

Não resolvendo, assim, este problema, surge-nos o problema da adequação da norma, o qual se parece extremamente conveniente, pois a vida humana é muito complexa e está rodeada ainda de muitos mistérios. Além disso, o problema de estabelecermos a demarcação do início da vida levar-nos-ía a questionar o problema do seu fim, o de saber quando acaba a vida. E tentar resolver isso em termos constitucionais parece-nos extremamente complicado, porque há aqui todo um mundo novo a considerar e, inclusivamente, já se diz agora, a propósito dos modernos meios alcançados pela genética, que está aí o 8.° dia da Criação. Há problemas gravíssimos a ter em consideração, nomeadamente problemas de experimentação nos embriões, problemas relativos ao destino a dar aos embriões resultantes das fertilizações in vitro e outros, que não me parece que sejam resolvidos com uma norma como esta. Penso que a grande proclamação que refere que a vida humana é inviolável é ainda a fórmula mais rica e o guião mais seguro que nos permite navegar com alguma segurança no actual mundo de problemas. Está aí à porta o 8.° dia da Criação - como dizem alguns