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508 II SÉRIE - NÚMERO 17-RC

que isso implica uma noção que abarca também a própria questão da qualidade de vida. Quanto ao património cultural, suponho que a questão lambem não vos choca, e em relação aos interesses dos consumidores problemas não haveria. Os problemas situar-se-iam, então, na questão de saber se deveríamos incluir ou não nesta família, por assim dizer, os direitos de família e a propriedade social.

Quanto à vertente da propriedade social, creio que essa é uma das áreas cm. que pode ser relevante esta forma de intervenção. Pode, é claro, discordar-se ferranhamente que haja qualquer utilidade ou pertinência numa consagração deste tipo. Mas conceder-se aos cidadãos a possibilidade de reagirem contenciosamente contra a alienação ou concessão de bens do domínio público, por exemplo, não é irrelevante e na nossa óptica pode ser particularmente interessante. Suponho que não esquento a imaginação de ninguém ao sugerir, por exemplo, as consequências que leria em relação a determinadas concessões de bens públicos a possibilidade de haver acção popular.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado falou em propriedade social. Está á referir-se à propriedade pública?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas não só. Imagine-se, por exemplo, o interesse que poderia haver no lacto de, em relação a certos bens de empresas públicas ou nacionalizadas, ou relativamente à desafectação ele bens do domínio público, haver uma possibilidade de reacção contenciosa em caso de violação da lei, naturalmente. A reacção contenciosa não serve seguramente para a crítica política, mas sim para exprimir uma discordância em relação a violação da lei ou da Constituição.

O Sr. Presidente: - Como é óbvio!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mais ainda lhe digo: e tão fácil lobrigar que isto seja pertinente que ale já foi pertinente deveras na história da nossa legislação ordinária. Mais do que pertinente já foi lei e, naturalmente, não é impossível que volte a sê-lo (até o foi com o voto favorável do PS in illo tempore!). É essa confiança que também não queremos deixar de exprimir.

Além disso, relativamente à alienação de quotas ou de partes sociais de qualquer entidade pública com vista à formação de empresas privadas ou mistas, a questão também não e propriamente impensável. Julgo até que é muito pensável. Imagine-se lambem n situação no que concerne à revogação de certos actos de expropriação. Eis, a título de exemplo, alguns dos campos em que a acção popular de defesa da propriedade social - e chamo-lhe assim depois de uma pequena viagem hoc sansu por alguns dos sentidos possíveis - poderia ter alguma utilidade.

No respeitante à outra objecção, essa tem implicações mais fundas. De facto, não são do estranhar as observações feitas pelo Sr. Presidente - em tese geral, são até pertinentes - quanto ao terreno onde nasceu, se difundiu e cresceu entre nós o direito de acção popular. E é evidente que a actualidade da problemática dos interesses colectivos, dos direitos difusos, ele, e enorme (embora pouquíssimo ainda entre nós, salvo em sede doutrinária e de alguma paixão pessoal, de natureza jurídica). Por isso, as ilações extraídas quanto às consequências de a lei adoptar futuramente tal figura devem, quanto a mim, ser temperadas. É difícil ver a autonomia privada em termos excessivamente exuberantes, sobretudo porque isso pode levar a que ela seja sacrificada em circunstâncias em que é falível, ilusória, e em que só existe em abstracto. Refiro-me à situação na qual não se está no reino da igualdade das partes, ou seja, em que uma das parles e mais débil e fraca do que a outra. Daí o facto de a questão da sua tutela e protecção não dever ser somente encarada na perspectiva-auto, mas também na da junção de esforços "colectivos (posso mesmo precisar que a minha autonomia privada seja reforçada pela acção de outros). Isso acontece frequentemente, como se sabe. De facto, não temos uma visão filosoficamente idealista das relações jurídicas e logo da projecção processual dessas mesmas relações, o que não justifica, só por si e em tese geral, a proposta que apresentámos. A proposta só pode ser justificada à luz de duas coisas.

A primeira justificação baseia-se numa certa concepção dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Não entendemos que a inclusão e caracterização constitucionais desses direitos como fundamentais seja aberrante. É evidente que isso rompe com o conceito liberal e bastante ultrapassado de que só determinados direitos do homem é que podiam ser consagrados no capítulo dos direitos, liberdades e garantias (tinha-se em vista o "homem" tomado em abstracto, de preferência bem abonado com uns pingues dinheiros, proprietário até à ponta dos cabelos). Acontece que esse modelo proprietarista está ultrapassado, já não tem consagração entre nós. O modelo que está previsto na nossa Constituição incluiu - e a primeira revisão constitucional reforçou essa vertente! - os direitos dos trabalhadores em sede de direitos, liberdades e garantias.

A segunda justificação diz-nos que é necessária ter uma certa visão do modelo adequado das relações de trabalho - relações essas em que se pressupõe um determinado papel para a lei, para as organizações de trabalhadores e até para autonomia colectiva. De facto, e perfeitamente possível conceber um modelo de relações laborais de cariz adequadamente compromissório, como alguma coisa em que as relações entre a lei e a autonomia sejam diferentes daquelas que existem à data. É defensável que haja um menor papel atribuído à lei (o que traduz uma posição de "desregulamentação virtuosa"!) e um maior papel para a autonomia das partes. Em contrapartida, preconizamos reforços dos dircilos dos trabalhadores, bom como da sua capacidade de actuação colectiva. E, sobretudo, mais e melhores instrumentos de interferência para conseguir defender posições onde haja litígio.

E neste ponto que se pode inserir a reivindicação de uma forma de acção popular (a dirimir legalmente) para defesa de certos direitos fundamentais dos trabalhadores. Quais são os direitos mais aptos, propícios o vocacionados para essa defesa?

Refiro-me sobretudo a certos direitos (verdadeiras garantias institucionais), que têm a ver com a defesa dos trabalhadores contra ingerências patronais particularmente violências, direitos de garantia de higiene e segurança, de efectivação do liberdade sindical e outros direitos colectivos que são factores insubstituíveis da promoção da igualdade entre as parles. É mais nessa área que suponho que a quebra da legitimidade processual clássica poderia ter o seu pleno cabimento.

O Sr. Presidente: - Desculpe interrompê-lo, Sr. Deputado, mas desejaria fazer-lhe uma observação que é simultaneamente um pedido de esclarecimento.

De facto, quanto à circunstância de se consignarem os direitos dos trabalhadores como fundamentais não tenho nenhum óbice a formular. Parece-me, ao invés, uma boa solução.

Entretanto, a primeira ideia que me assaltou quando ouvi a sua exposição tem a ver com o seguinte: V. Exa. aceita, no fundo, que exista uma certa interpretação funcionalizante