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30 DE JUNHO DE 1988 617

Não me parece que seja impossível caminhar-se para uma norma desse tipo pois, no fundo, basta que tenhamos em conta o disposto no artigo 95.° da LCT, o disposto em outras disposições da mesma lei e, por exemplo, na Lei dos Acidentes de Trabalho e nos diversos regimes salariais em relação às garantias da retribuição em questão, que já hoje comporta o facto de estas não poderem ser absorvidas por certas cangas, onerações ou descontos. Não é por acaso que o Código de Processo Civil prevê esta ideia de isenção de penhora de dois terços das soldadas e vencimentos. De resto, a norma tem raízes muito antigas no direito civil e no direito laborai.

No fundo, a preocupação é, em primeiro lugar, reduzir a parte penhorável, garantir uma certa margem de impenhorabilidade e garantir critérios...

O Sr. Presidente: - Reforçar a margem de impenhorabilidade, ou seja, reforçar as garantias até onde não entrem em colisão com garantias reais ou privilégios, nomeadamente do Estado, que devam continuar a sobrepor-se às garantias em que estamos a pensar. Será correcto um tratamento especial, pois trata-se, em regra, da subsistência de uma família ou do logro de quem presta trabalho e não recebe o respectivo pagamento. Compreendo isso perfeitamente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Essa é a nossa intenção e estamos disponíveis para conjugar capacidades de formulação para se chegar a uma norma. Parecer-nos-ia que seria uma benfeitoria bastante relevante. O mesmo digo em relação à questão dos créditos salariais, mas aí reconheço que a dificuldade é maior. Poderemos caminhar por uma vereda similar àquela para que se aponta aqui, mas o problema é extremamente complexo porque estamos a jogar com noções com campos operatórios extremamente diferentes, consoante a saúde das empresas, e é preciso ter consciência disso.

É evidente que o nosso direito é aqui extremamente deficiente e que a nossa circunstância económica tem originado peripécias muitas vezes dramáticas que dificultam o ver claro, mas o que, em todo o caso, é fácil ver claro é o grau de atraso em que estamos. Este é o primeiro tópico de reflexão!

Em segundo lugar, é fácil, também, ver que as componentes desse atraso são a fluidez na criação e, sobretudo, na extinção de empresas, isto é, a ilimitação ou as dificuldades que se relacionam com a possibilidade de arbítrio na extinção - e é sobretudo isso que nos preocupa, como compreenderão; a ausência real e preocupante de controle e de responsabilização do património dos titulares do capital social pelas dívidas contraídas pelas empresas; a enorme dificuldade na fiscalização e no controle das alienações dos patrimónios, com as incertezas e os perigos que daí fluem para a própria estabilidade e para os interesses dos trabalhadores; a dificuldade que decorre dos próprios contornos do nosso direito comercial e das debilidades ou flancos que há no próprio instituto do trespasse e de outras formas de transferência das posições jurídicas e económicas que existem em dados momentos no próprio tecido empresarial; a debilidade em relação à tutela da retribuição, mesmo nos casos em que ela esteja vencida há enorme tempo, sem que seja prestada; o caos que há em relação às dívidas à Segurança Social; o panorama preocupante que também existe em relação aos problemas da fraude e de evasão fiscal; e as debilidades que o instituto da falência tem entre nós, apesar dos zigues e dos zagues e das evoluções do legislador ordinário (algumas de forma descoordenada, com o Ministério da Justiça a trabalhar nas costas do Ministério das Finanças e com as empresas verdadeiramente vitimadas, também pelas costas, por regimes que se vêm sucedendo uns aos outros, sem que a questão seja discutida e tomada globalmente).

A questão da tutela dos créditos salariais tem de ser encarada tendo tudo isto em conta. A norma que buscamos é uma norma de fixação de critérios gerais. Isto nos salva e nos facilita, de certa forma, a tarefa. Em todo o caso, o panorama condiciona-nos imenso. Estamos num quadro em que não há garantias públicas do pagamento de salários, a não ser aquelas que foram instituídas pela Lei n.° 17/86, de 14 de Junho. Não se caminhou ainda no sentido para que aponta a directiva de 20 de Outubro de 1980 do Conselho das Comunidades Europeias sobre a aproximação das relações dos Estados membros da CEE relativa à protecção do estatuto dos assalariados, em caso de insolvência do empregador. E, como não avançamos nesse domínio, como o regime de encerramento de empresas se presta ainda, enormemente, ao arbítrio e o regime das falências, em particular, não acautela os direitos dos trabalhadores de forma bastante, há que avançar -entendemos nós- em relação à protecção dos créditos salariais.

No fundo, aquilo que se pretende é uma melhoria da posição jurídica do colectivo dos trabalhadores em relação à massa do património. Isso está estabelecido em termos correctos na nossa proposta? Eis o que está oferecido à discussão, e nesse sentido a pergunta do Sr. Deputado Almeida Santos é pertinente: "Deseja-se o quê? O privilégio absoluto? Isto é, que seja tão absoluto que se sobreponha às garantias reais?" Eis o que devemos medir para que possamos estabelecer algo em condições que procurem uma articulação de interesses.

O Sr. Presidente: - É que isso, além do mais, tornava tão inseguras as garantias reais, que hoje têm o valor que têm, que todo o comércio jurídico entraria em crise. Ninguém mais teria confiança numa hipoteca e o crédito seria fortemente restringido. A certeza do direito é um bem inestimável. Entre o valor que está em causa e o valor da segurança do direito, este não pode ser menorizado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, tenho alguma ideia da dimensão da mudança possível, isto é, há certas mudanças que abalam os alicerces de uma determinada concepção ou de uma determinada ordem. Tenho, também, ideia da contingência, do carácter marcado ou do carácter historicamente determinado de certos pilares. É sabido que as certezas jurídicas de um determinado momento não são obrigatoriamente as certezas jurídicas da época seguinte: uma ordem jurídica fundada no carácter absoluto das garantias reais não está condenada a ser eterna (pelo contrário!) e, portanto, haverá circunstâncias históricas em que a mutação desses valores e desse quadro de referência se torne inevitável. Pela nossa parte, lutamos por isso.

O Sr. Presidente: - Claro! Nada é eterno no direito e eu pretendi apenas realçar as dificuldades concretas da vossa proposta.