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30 DE JUNHO DE 1988 623

duz, a nosso ver, uma profunda desconfiança do texto constitucional em relação à iniciativa privada. E nós julgamos que essa desconfiança não tem razão de ser, da forma como é apresentada e da forma como é explicitada e, mais do que isso, julgo que traduz um pouco uma ideia que não nos parece também muito correcta, que é a de encarar a iniciativa privada como um mero instrumento de outros objectivos que não aqueles que ela também tem, e que naturalmente lhe dizem respeito. E, portanto, nesse sentido, julgo que esta intervenção do Sr. Deputado José Magalhães reforça a nossa convicção e a nossa ideia de que também aqui nesta artigo da Constituição era necessário, de facto, alguma alteração no sentido de conferir à iniciativa privada o relevo e a importância que ela tem na nossa sociedade.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães quer ter uma última palavra sobre este tema ou dá por dito aquilo que já disse?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente.

É evidente que em matéria de conceitos constitucionalmente indeterminados cada qual pode ter a sua paixão, e, portanto, o Sr. Deputado António Vitorino põe no top o conceito de interesse geral e outros porão o conceito de progresso colectivo. Porém, a questão que eu tinha colocado era a de tentar situar com um pouco de rigor quais podiam ser as vantagens da substituição de um conceito indeterminado como o actual - portanto carecido de todas as possíveis densificações imagináveis - por outro conceito. Nesse sentido, limitei-me a dizer - quando aludi à questão de sabermos o que este significa - uma coisa um pouco banal: que há um património hermenêutico quanto ao artigo 61.°, n.° 1, neste ponto. Não estamos amarrados a esse património hermenêutico e, portanto, pode obviamente o legislador nesta sede "deitar fora" essa hermenêutica e substituí-la por uma melhor. Eu estava a tentar perceber em que é que consistiriam as melhorias. Fiquei um pouco perplexo porque - tanto quanto percebo, sobretudo por causa da explicitação um pouco perversa do Sr. Deputado Almeida Santos - pode haver uma diminuição do conteúdo.

O Sr. Presidente: - "Perversa" porquê?

O Sr. José Magalhães (PCP): - "Perversa" neste sentido: o Sr. Deputado António Vitorino tinha-se limitado a adiantar com carácter um bocadinho obscuro - embora, naturalmente, não desprovido de conceptualismo - que se tratava de assegurar a "pluralidade de vertentes" no exercício de uma iniciativa. Eu tenho um grande respeito pela "pluralidade de vertentes" e pelas mais diversas vertentes. Agora, ao que eu me apegava, e me preocupava em concreto, era saber se, dobrado o cabo dessas vertentes, nós não ficaríamos com o preceito diminuído de conteúdo. O que o Sr. Deputado Almeida Santos vem trazer a terreno é que a ideia de "progresso" - coisa que, como nós sabemos, dá para chorudas reflexões - pode não coincidir com aquilo que decorre do "interesse geral" saudavelmente interpretado. O "interesse geral" pode colidir directamente com a ideia de progresso colectivo.

O Sr. Presidente: - Não é "colidir". Pode é não "coincidir". Quer dizer: não esgota.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Parece, pois, que há muito mais no céu e na terra fluindo da noção de "interesse geral" do que aquilo que flui da noção de "progresso colectivo". Ora, o que eu queria perguntar era se dessa noção de interesse geral decorreria que a iniciativa privada se deve mover dentro de parâmetros que tenham em conta aquilo que decorre dos imperativos de aumento, por exemplo, do bem-estar colectivo, da qualidade de vida dos cidadãos, da necessidade de boa utilização dos recursos produtivos, da necessidade de defesa da independência nacional, da necessidade de assegurar o crescimento equilibrado dos diversos sectores e das regiões, da necessidade de defesa do ambiente e utilização racional dos recursos naturais, etc. É isso que se pretende?

O Sr. Presidente: - Isso e muito mais! No conceito de interesse geral cabe muito mais!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, que caiba mais satisfaz-me imenso. A minha preocupação é que não caiba isto, ou caiba menos do que isto!

O Sr. Presidente: - Cabe muito mais e também cabe o "progresso colectivo". O problema é esse: a nossa expressão é mais rica, mais ampla, ainda que não seja tão precisa. Questão é saber se deve sê-lo!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Seria possível Sr. Presidente, pedir ao PS que precisasse um pouco mais esta questão para que pudéssemos medir com mais exactidão aquilo que não cabe, e aquilo que cabe, uma vez que se trata de verter conteúdos constitucionais?

O Sr. António Vitorino (PS): - Devo confessar que não sei se se torna necessário precisar mais, porque o Sr. Deputado José Magalhães já foi tão abundante que eu tinha a veleidade de pensar que a intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos tinha sido suficiente para deixar o Sr. Deputado José Magalhães com a consciência tranquila. Mas talvez possamos ir um pouco mais além, pelo que avançaria com duas reflexões complementares.

A primeira é a de que não creio que o Sr. Deputado José Magalhães tenha razão sobre a valiosa hermenêutica do conceito de "instrumento do progresso colectivo". Não conheço jurisprudência constitucional que tenha feito passar pelo crivo deste critério, exclusivamente, a apreciação da constitucionalidade de actos legislativos acerca da iniciativa económica. E, se nós ajuizarmos, por exemplo, a jurisprudência em matéria de lei de delimitação de sectores, verificaremos que não é através deste inciso programático e da sua hermenêutica que se obtêm conclusões sólidas em termos de interpretação da Constituição económica. Daí que eu ache que, sinceramente, este conceito é um conceito algo estéril em termos de interpretação constitucional, e que inclusivamente tem um pendor negativo porque inculca uma leitura vocacionalmente dirigista da economia. E não me parece ser esse sequer o sentido que resulta do actual texto constitucional, quanto mais perante interpretações que se pretendem mais liberais ou liberalizadoras.