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27 DE JULHO DE 1988 895

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, tentarei responder a esta segunda observação levantando outra em relação à sua exposição.

Quanto a esta segunda parte, salvo o devido respeito, o regime jurídico dos bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais -e é naturalmente aos baldios que nos estamos a referir - permite que hoje em dia estes sejam geridos por assembleias de compartes nos termos da lei em vigor, o que não é outra forma senão uma forma colectiva de gestão dos baldios, cuja titularidade é estadual e cuja gestão - ou reportando-nos aos termos da própria constituição "posse útil e gestão" - está a cargo de uma entidade que é um colectivo de habitantes locais, que se auto-organizam para gerir esse baldio, de acordo, aliás, com as formas tradicionais de gestão desses mesmos baldios. O que o Sr. Deputado Rui Machete me poderia dizer é que o PSD tem na Mesa da Assembleia da República um projecto de lei de alteração do regime jurídico de gestão dos baldios que, ao cometer essa gestão às autarquias locais, designadamente às juntas de freguesta, os aproxima mais das fórmulas de gestão do sector público estadual e não do sector social, mas isso é um desvio estatizante do PSD, se me permite a blague. Compreendo o silencio, mas é, de facto, um desvio estatizante -não direi que colectivista, marxista-leninista, chavão que tantas vezes é usado nesta Comissão para caracterizar algumas propostas mais estatizantes do PS.

O Sr. Presidente: - Direi que é antes municipalizante.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - É descentralizante.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sim, não é um Estado central sufocante; é um Estado descentralizado e apenas asfixiante pontualmente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se V. Exa. me der licença, eu acho que, independentemente do problema de considerar que há um aspecto publicizante nesse projecto de regulamentação dos baldios, não é de subscrever essa ideia. Concordo, todavia, consigo que pode ser municipalizante ou paroquializante, e, portanto, viria em sentido diferente daquele que me parece útil. Com efeito, a verdade é que apesar de ser sugestivo esse símile, estabelecido entre a gestão colectiva dos trabalhadores tendo a posse útil da terra e os baldios, há, todavia, diferenças profundas. Acho até que poderia ser objecto de uma tese interessante a hipótese de se considerar esses colectivos de trabalhadores como uma espécie de propriedade zur gesamt Hand, mas tenho grandes dúvidas de que as características principais se lhe possam aplicar. Devo também dizer que sempre seria possível entender que os compartes funcionavam como órgãos especiais da freguesia para a gestão desses bens. Tudo isso são construções jurídicas possíveis, mas a verdade é que, em qualquer circunstância, isso não faz alterar a realidade de profunda diferença entre as duas coisas.

O Sr. António Vitorino (PS): - Naturalmente reconheço que não há uma identidade absoluta e que, portanto, a questão da gestão a cargo das assembleias de compartes é apenas o afloramento de uma componente que me parece importante nos termos da proposta do PS; nem me parece, por exemplo, que a interpretação desses bens comunitários locais num sector de propriedade social ilegitimasse a possibilidade de entregar a gestão dos baldios às juntas de freguesia - aí o problema é, essencialmente, o problema de os baldios não dizerem respeito à totalidade dos fregueses, à totalidade da população da área administrativa da freguesta, mas dizerem respeito apenas às populações que tradicionalmente os utilizam, porque instaladas contiguamente a esses baldios; portanto há uma diferença, apesar de tudo, de âmbito da jurisdição, mas, pessoalmente, não me repugna que a junta de freguesia, directamente ou através de um órgão específico de gestão dos baldios, seja encarregue da sua gestão, mesmo que eles venham a integrar-se num sector de propriedade social, como propõe o PS no seu n.° 4 do artigo 81.°-A.

Onde, se calhar, há divergências substanciais entre nós é que me parece - com a devida vénia - que o Sr. Deputado Rui Machete procura, excessivamente, uma uniformidade de critérios caracterizadores do sector de propriedade social, onde, em meu entender, não deve tentar encontrar essa sufocante uniformidade de critérios porque, se há diferenças -que aliás o Sr. Deputado Rui Machete aponta - entre os colectivos de trabalhadores que gerem empresas, por exemplo, ou as UCPs, e a gestão dos baldios, ou até os cooperadores que gerem uma cooperativa, também há abissais diferenças entre a gestão de baldios por assembleias de compartes e uma empresa pública. O Sr. Deputado Rui Machete não argumenta dizendo que os baldios não devem ser integrados no sector público estadual, mau grado essa abissal diferença, desde logo, dado que os gestores públicos se pagam regiamente e as assembleias de compartes o exercem a título gratuito, o que não é de somenos importância.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vitorino, percebo que haja uma grande diferença entre os compartes e os gestores públicos que, apesar de tudo, não são tão regiamente pagos como isso.

O Sr. António Vitorino (PS): - Comparados com os deputados são!

O Sr. Presidente: - O problema não é esse. Há pouco, comecei por dizer que este artigo integra, de um lado, sujeitos de direito, empresas públicas e, do outro, bens. Por isso é que se pretende regular, simultaneamente, a questão do sector público empresarial e os bens do domínio público - o que é uma trapalhada monumental.

O Sr. António Vitorino (PS): - Exacto! Tem razão, mas...

O Sr. Presidente: - E é por essa razão que pode depois fazer esse efeito relativamente fácil em termos de oratória. Enfim, o artigo facilita isso. Mas é claro que o que seria correcto - segundo presumo, caso estivéssemos a fazer doutrina e não apenas a revisão da Constituição, ou, melhor dizendo, se estivéssemos apenas a fazer doutrina e não a tarefa grandiosa de rever a Constituição - era dar-lhe uma redacção completamente diferente, porque este artigo, efectivamente, é difícil de endireitar. Agora, em matéria de coerência o princípio da rigidez é uma lógica que vem de Aristóteles e o problema é que, enquanto, relativamente aos dois primeiros sectores que V. Exa. define, é perceptível o critério pelo qual são definidos e estruturados, o terceiro é uma amálgama.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, penso que V. Exa. neste debate é excessivamente tributário de uma formulação jus-privatista ou comercialista, que leva à prevalência ao critério da titularidade e a dizer que tudo o