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29 DE SETEMBRO DE 1988 1169

insuspeito de, de alguma forma, ter uma concepção redutora ou afuniladora do conceito de representatividade democrática que excluísse qualquer das componentes pelas quais ela deve ser aferida no nosso regime democrático, com as características que ele reveste (e, seguramente, não com outras).

Sucede, no entanto, que o contexto deve ser tido em atenção. E esta norma tem uma importante função de garantia dos próprios partidos políticos. Desde logo, quanto à possibilidade de serem arredados da própria candidatura da qual depende a participação nos órgãos baseados no sufrágio universal e directo. Além disso, é uma garantia de não falseamento da verdade da representação. É, no fundo, uma garantia contra a batota, contra todas as formas de viciação da normal, adequada e verdadeira representação. É um dos princípios ou um dos esteios do direito constitucional partidário ou do estatuto constitucional dos partidos políticos. Ele não é despiciendo.

Trata-se, de facto, de um princípio jurídico, o que tem um valor constitucional e jurídico conhecido na hermenêutica constitucional: não é uma norma emblemática, sem efeito directo. Distingue-se, pois, de uma beterraba e de outras coisas, bem como de uma norma jurídica, em termos de valor preceptivo. Contudo, não é mais nem menos do que isso.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, citemos...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, pode até citar uma vasta panóplia de autores, incluindo eventualmente o próprio Sr. Deputado Sottomayor Cárdia numa segunda reflexão.

Entretanto, a questão que se traz a esta sede não é despicienda, pois o facto de esta norma estar prevista na Constituição não é irrelevante. E porquê? Porque tem um determinado significado, designadamente, não é possível encontrar neste ponto nenhuma cobertura constitucional para a instituição, por exemplo, pelo legislador ordinário do celebrado "prémio de maioria" que o PSD pretende instituir em sede constitucional (e não por acaso).

Na verdade, o facto de se aludir à representatividade democrática como critério para a participação nos órgãos baseados no sufrágio universal e directo não dá qualquer cobertura para fenómenos majoradores, para a instituição de "prémios de maioria" que falseiem a representação democrática, tal qual ela decorre do sufrágio e, por exemplo, concedam a quem não tem maioria um privilégio ou que lhe permitam a acumulação de mandatos ou a sua atribuição em desconformidade com os próprios resultados do sufrágio, alterando tudo o que daí decorre - desde logo aquilo que é a própria vontade popular apurada através desse instrumento. Isso seria um instrumento de desnaturação. Suponho, aliás, que seria uma péssima hermenêutica aquela que aqui pendurasse um panelão que não cabe neste ponto da Constituição.

Um segundo aspecto prende-se com o facto de ser bom que a Constituição seja precisa nesta matéria. Estabelecer uma confusão entre a necessidade de "participação de acordo com a representatividade" e a "participação tendo em conta a representatividade" não é correcto, não é a mesma coisa do ponto de vista técnico-jurídico constitucional e politicamente.

É evidente que se sabe que o "ter em conta" é um minus em relação à representação rigorosa, nomeadamente à proporcional, tal qual flui dos princípios ínsitos em artigos próprios da Constituição. A invocação, para este efeito, do disposto no artigo 190.° não tem cabimento. De facto, aquilo que se está a discutir em sede do referido preceito, cuja epígrafe é "Formação de governos", é um outro fenómeno, como, aliás, o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva já teve ocasião de sublinhar. Nesse articulado, a Constituição não quis absolutizar nem tornar automáticos os efeitos do sufrágio. Ela quis estabelecer uma forma de articulação, bastante hábil, entre os poderes do órgão de soberania Presidente da República e dos partidos políticos que concorrem para o sufrágio e que podem formar espectros muito diversos na Assembleia da República: pode haver base parlamentar monopartidária, pode haver uma base parlamentar bipartidária ou, ainda, tripartidária, pode não haver nenhuma base parlamentar para um governo partidário...

As situações podem ser muitíssimo diversas e a agilidade do Presidente da República e os seus poderes resultarão acrescidos ou diminuídos em função da concreta situação real e muito majorados, obviamente, em situação de inexistência de qualquer maioria estável formada ou formável num determinado momento e numa dada composição parlamentar resultante do sufrágio. Contudo, isso verifica-se no que respeita à formação dos governos. Aí a flexibilidade é desejável. Já em relação à questão que está colocada e equacionada no artigo 117.°, aquilo que a Constituição exige é muito mais do que um "ter em conta". Aí exige-se uma representação fiel e verdadeira, além, naturalmente, da proibição de que seja postergado o direito de intervir e de concorrer ao sufrágio, que é condição óbvia, basilar e prodrómica para qualquer acesso aos próprios órgãos baseados nesse sufrágio universal e directo.

Creio, pois, que, valendo a questão o que vale, é correcto e pertinente o argumento que foi aduzido nesta sede pelo Sr. Deputado Almeida Santos: se não se quiser aperfeiçoar nada, não se estabeleça então dúvida interpretativa. Além disso, a ideia apresentada pelo Sr. Deputado Miguel Galvão Teles, que, de resto, bebe na mesma matriz e preocupação, também é perfeitamente razoável. Julgo, de facto, que não vale a pena estar a sucitar esta questão.

Ora, o simples facto de a estarmos a discutir há tanto tempo dá uma pequena ideia do conjunto de pequenos equívocos que se podem estabelecer em torno de uma alteração aparentemente tão simples, que ou é para dizer o mesmo (caso em que seria inócua, mas inútil) ou serviria para dizer uma coisa diferente, situação em que poderia ser ofensiva e seria, por isso, inaceitável.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, agrada-me que tenha sido reconhecido que o n.° 1 do artigo 117.° não é um preceito, mas um princípio.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É um número que contém um princípio!

Vozes.