14 DE OUTUBRO DE 1988 1337
embora com uma presença modesta nesta Comissão, apesar de tudo mais do que proporcional ao peso da nossa presença na Assembleia da República, continua a ser importante a nossa intervenção no processo de revisão constitucional.
Em relação à Sra. Deputada Assunção Esteves, queria pôr-lhe a seguinte questão: V. Exa. comentou a figura das leis paraconstitucionais apresentada pelo PS e a intervenção do Sr. Deputado António Vitorino, justificativa da introdução dessa figura no quadro dos actos normativos da Constituição; levanta também algumas dúvidas, que são, desde logo, resultantes da circunstância de se introduzir um pluralismo de fontes, alargando-o com mais uma fonte de direito - a das leis paraconstitucionais. Um outro assunto é uma crítica relacionada directamente com o método ou sistema de aprovação destas mesmas leis, a exigir uma maioria de dois terços e apontando (nas palavras do próprio deputado António Vitorino, segundo tenho delas conhecimento hoje) para a formação de consensos e a valorização do papel das minorias.
Mas eu pergunto, Sra. Deputada Assunção Esteves: a sua questão sobre a confusão que vai ser introduzida em matéria de pluralismo das fontes reside só no facto de se introduzir mais um grau na respectiva hierarquia com as leis paraconstitucionais, com as leis orgânicas de que fala o CDS, ou com as leis reforçadas de que fala o PRD, ou está mais ligada ao elenco das matérias e à forma de aprovação dessas leis? Isso é que me parece incomodar V. Exa. e o partido que aqui representa. Quer dizer: perturba-a haver mais uma fonte? Nesse caso, pergunto-lhe, Sra. Deputada: não acha que há, naturalmente, mais uma fonte, em relação a certas leis que são, por sua própria natureza, leis-quadro, no âmbito das quais se vão produzir novas leis, também; não acha que a confusão resulta aqui, antes e principalmente, de não se hierarquizarem, no quadro das fontes, estas leis-quadro? Daí é que resulta a confusão! Por exemplo, a confusão que já se tem verificado e que resulta de a lei do orçamento anual violar a Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, porque se trata claramente de fontes do mesmo grau hierárquico - não acha que isso é uma confusão perniciosa ao próprio Estado de direito democrático?
Aproveitando a circunstância de estarmos a debater as leis paraconstitucionais, objecto específico de uma proposta de artigo aditado pelo PS, o artigo 166.°-A, irei tecer algumas considerações sobre as nossas propostas, que se distribuem por vários artigos do projecto que apresentamos e que configuram as leis orgânicas - figura semelhante, com grande relação com as leis paraconstitucionais. Supomos, no entanto, que as diferenças que apresenta podem porventura transformar as nossas leis orgânicas numa possibilidade ou num espaço favorável a um acordo entre os dois maiores partidos - aqueles cujas forças somadas fornecem a maioria indispensável à revisão constitucional, em torno desta matéria das leis paraconstitucionais. Estou a falar do PS, que propõe a figura das leis paraconstitucionais, portanto, de valor reforçado, e do PSD, que não propõe e se tem mesmo mostrado relutante em relação à admissão desta figura. O que é que acontece com as leis orgânicas que o CDS propõe e cujo regime resulta do disposto no artigo 115.°, n.° 2, sobre o qual não tive oportunidade de me pronunciar, porque não estava aqui, no artigo 122.°, n.° 1 (o n.° 2 tem pouca importância nesta matéria, dado que se trata apenas de incluir a figura numa enumeração que é feita), no artigo 139.°, n.° 3, aqui com importância, na medida em que aborda um aspecto importante do regime das nossas leis orgânicas; no artigo 169.°, n.° 2, onde se faz a enumeração das matérias que hão-de constituir objecto das leis orgânicas, e no artigo 171.°, n.ºs 4 e 5, onde se completa o regime de aprovação das leis orgânicas?
Em primeiro lugar, o que é para o CDS uma lei orgânica? Aqui, insiro-me na resposta a algumas das preocupações reveladas esta manhã pelo Sr. Deputado José Magalhães, face à ausência, que ele notou, de um critério substancial de distinção em relação à proposta do PS. Claramente, o CDS opta por um critério formal nesta matéria, que supomos, aliás, não estar completamente ausente da proposta do PS, com destaque para a redacção deste artigo 166.°-A; critério formal de distinção, qual seja o de considerar como leis orgânicas as que expressamente forem consideradas como tal no texto da Constituição, nos termos da enumeração que fazemos no artigo 169.°, n.° 2. Suponho que este critério formal, que, na nossa proposta, consta, aliás, da própria redacção do artigo 115.°, n.° 2, constitui em si uma resposta às dúvidas do Sr. Deputado José Magalhães. É claro que na base deste critério formal está um critério substancial, qual seja o que nos conduziu à escolha das matérias que elencamos no artigo 169.°, n.° 2. E qual foi o critério que nos levou à escolha das matérias que hão-de ser objecto de lei orgânica? Ele assenta fundamentalmente na natureza comum dessas matérias, tratando-se, como se trata em todos os casos enumerados na disposição citada, de leis respeitantes à própria organização do Estado e a aspectos fundamentais do seu funcionamento, designadamente as que respeitam às relações deste funcionamento dos órgãos do Estado com os cidadãos e com os seus direitos. Trata-se, por outro lado, de leis que, pela sua própria natureza, são leis de enquadramento, leis-quadro, isto é, leis no âmbito de cujas molduras vão ser produzidos outros actos legislativos.
Ainda em resposta a algumas observações feitas esta manhã, quero salientar que o CDS não pretende com tal enumeração (de forma nenhuma) esvaziar o sentido da Constituição, transferindo certas matérias do conteúdo de normas constitucionais para o de leis ordinárias, embora de valor reforçado e com uma posição determinada na hierarquia dos actos normativos, isto é, colocadas imediatamente a seguir às leis constitucionais. Trata-se precisamente do contrário, na medida em que o CDS, sem prejuízo das regras fundamentais do regime da democracia representativa, designadamente da regra da maioria, entende estender a protecção e a segurança próprias das normas constitucionais a leis que constituem como que um desenvolvimento natural da própria Constituição, sendo certo que a sua inclusão no texto fundamental se torna inviável, desde logo por razões ligadas à extensão da própria Constituição - preocupação que, acho, nos deve constantemente inspirar, e que hoje, estranhamente, verifiquei não ser preocupação do PSD, nas palavras da Sra. Deputada Assunção Esteves, mas que já foi aqui várias vezes expressa pela voz do Sr. Deputado Gomes da Silva, que várias vezes brandiu a bandeira da defesa contra o excesso de verbalismo da Constituição, para eliminar, pura e simplesmente, alguns dos normativos que o integram.