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14 DE OUTUBRO DE 1988 1339

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, em nome do PSD, e em complemento do que foi dito pela Sra. Deputada Assunção Esteves, pretendia explicitar um pouco mais as razões que, por princípio, nos levam a recusar esta nova categoria das leis paraconstitucionais, tal como aparecem definidas no projecto inicial do PS.

As revisões constitucionais - esta como a anterior - são normalmente realizadas em contextos muito específicos, com ambientes com uma certa densidade histórica, e são dominadas por certos tópicos que prevalecem no debate constitucional. Foi assim em 1982 e é também assim em 1988. É evidente que em 1982 a revisão constitucional se polarizou fundamentalmente em torno do poder político. Tratou-se fundamentalmente de adequar a estrutura do poder político português ao modelo tradicional e normal de um Estado de direito democrático. Desse ponto de vista, a revisão constitucional de 1982 foi plenamente conseguida. Em segundo plano, e num plano de menos evidência, ficou a organização económica, que não é menos importante na perspectiva do modelo constitucional de um Estado de direito de uma sociedade democrática e aberta. É fundamentalmente o problema da organização económica que é o grande tópico da actual revisão constitucional; foi sempre à volta da organização económica que as questões se polarizaram, tendo sido a constituição económica a grande referência dos debates e das posições avançadas, antes mesmo de os projectos de revisão constitucional dos diferentes partidos terem tomado corpo definitivo.

O projecto do PS, com alguma surpresa em relação aos grandes tópicos que tinham sido avançados, lançou também a ideia das leis paraconstitucionais. À primeira vista, poderia pensar-se que esta inovação era, afinal de contas, estranha ao grande tema que a revisão constitucional suscitara. Porém, vistas as coisas com .mais rigor, talvez esta ideia do PS, naquilo que tem de essencial e que, do nosso ponto de vista, merece ponderação mais cuidada, não tenha sido tão fortuita e talvez, afinal, esta inovação legislativa não seja tão estranha à problemática que agora se coloca. De facto, a consciência que agora se ganhou, ou, pelo menos, a consciência com que, em nosso entender, se encaram estas coisas, leva-nos a considerar que, do ponto de vista da organização económica, há que flexibilizar a Constituição em termos de viabilizar o pleno jogo democrático e pluralista normal, sem impedir nenhuma força política de aceder ao Poder e de praticar os seus próprios programas. Ou seja: o que está em causa é assegurar aqui o máximo de abertura, de pluralidade e de conflitualidade, uma vez que é do ponto de vista da organização económica que os projectos dos diferentes partidos, ideologicamente condicionados, mais conflituam entre si. Esta lógica de conflitualidade, esta lógica que pede reformas constitucionais num determinado sentido, leva, directa ou indirectamente, a ver o outro lado da medalha e cria experiência viva e actuante de dois temas completamente diferentes: temas de conflito e temas de consenso. Afinal de contas, a proposta do PS teve pelo menos o mérito de contribuir para clarificar e extremar estas duas áreas da realidade jurídico-constitucional. Ponto é - e este é um desafio que é colocado ao PS - que seja consequentemente assumido nas duas faces da medalha, designadamente em matéria de organização económica: que aí se leve até às últimas consequências a ideia de pluralidade, de conflitualidade e de alternativa e que, do outro lado, se viabilizem os consensos necessários e fundamentais. É nesta óptica que encaramos a problemática das leis paraconstitucionais. Também nós concedemos facilmente que existem diferenças qualitativas de matéria, havendo, portanto, matérias que devem naturalmente apelar a consensos fundamentais e básicos na sociedade portuguesa.

De outro ponto de vista já temos algumas dificuldades, o que já releva não da óptica dos princípios mas da óptica da adequação pragmática das coisas. Se as coisas são muito claras do ponto de vista da viabilização e da funcionalização do ordenamento constitucional para a outra vertente, para a vertente da conflitualidade e da organização económica, já temos algumas dúvidas de que, para assegurar os objectivos que o PS legitimamente se propõe com estas propostas, as coisas tenham de correr necessariamente pela via que o PS propõe, designadamente por esta categoria das leis paraconstitucionais. Entendemos que esta via seguida pelo PS comporta graves dificuldades e algumas disfuncionalidades, dificilmente ultrapassáveis do ponto de vista do sistema. E pode ser perigoso, do ponto de vista da funcionalização do sistema, deixar passar o período da revisão constitucional, que - temos de o aceitar com toda a frontalidade - é sempre um clima propício, até pelo teor das questões discutidas e pela metodologia que acaba por ser adoptada, a facilitar os consensos. Já no espaço normal de uma legislatura pode ser muito difícil assegurar, em toda a medida, os dois terços necessários para viabilizar e dotar o País destas leis.

Por outro lado, coloca-se o problema (já aqui aflorado noutro contexto pelo Sr. Deputado José Magalhães) da densidade das leis paraconstitucionais. Relativamente a esta questão, e do nosso ponto de vista, há ainda muito por clarificar. Há uma nota fundamental identificadora das leis paraconstitucionais, que são as matérias sobre que versam: as leis paraconstitucionais são aquelas que tratam destas matérias. Não está ainda bem clarificado qual a medida da paraconstitu-ionalidade dessas matérias, mas parece já ter ficado claro que não será toda a produção normativa relativa a tais matérias que tem a categoria de paraconstitucionalidade ou que dela releva. Ontem mesmo, a propósito de um exemplo tirado ao acaso dentro das áreas problemáticas que se põem ao legislador neste domínio, concluiu-se que essa não era matéria que relevava de paraconstitucionalidade. Porém, a regulamentação destas matérias suscita e carece de normas de vários níveis, que nem todas - penso eu - relevarão da paraconstitucionalidade. Qual o limiar da paraconstitucionalidade? Qual o critério para aferir da essencialidade, do princípio fundamental, do nuclear, qual o núcleo essencial que releva da paraconstitucionalidade? De resto, a própria proposta do PS é, a este propósito, relativamente assimétrica, na medida em que no artigo 166.°-A alguns tópicos são referidos sem mais. Na alínea g), por exemplo, fala-se apenas em "estatuto