O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1738 II SÉRIE - NÚMERO 55-RC

novo. Porém, esta matéria é na verdade uma daquelas matérias que pela sua natureza tornam o sentido deste debate bastante fluido, para não dizer movediço, dado que as restrições a fazer têm de ser bastante bem ponderadas. O impulso dado por algumas propostas é, nalguns aspectos, significativamente diverso e é isso que eu gostaria de voltar a sublinhar.

Enquanto o PS, no seu n.° 1 do artigo 268.°, admite que o direito de acesso se faça a arquivos e registos com as excepções consignadas neste mesmo número, comparando esta proposta com a do PCP, verifica-se que o direito de acesso que o PCP propõe é, sem excepção, a documentos e arquivos e portanto a todos os processos pendentes, o que configura um direito de acesso não apenas aos directamente interessados sobre processos em vias de decisão mas também a terceiros. Cria-se, assim, uma legitimidade genérica para o acesso, e - aqui permito-me dizê-lo - para devassa do processo administrativo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Jorge Lacão, temo que a sua linha de raciocínio o conduza ao inferno, porque a lógica da Administração aberta é precisamente essa que parece repudiar. De facto, a abertura da Administração aos próprios interessados é um fenómeno que 1976 captámos constitucionalmente, na sequência de uma evolução que vinha muito de trás e que passava por uma luta contra o secretismo que protegia a Administração em relação aos próprios directissimamente interessados. O desafio, a "parada" moderna, a reflexão inovadora cifra-se em saber do acesso dos outros, do acesso dos grupos de cidadãos dos grupos de consumidores, dos grupos dos moradores, dos grupos dos atingidos, por exemplo, por uma medida administrativa de instalação de uma central nuclear no seu distrito. Essa é que é a novidade relevante, a eclosão desses processos que dizem respeito a interesses difusos, a interesses de terceiros... Por exemplo, tenho imenso interesse em saber o que é que a sociedade Estoril Sol está a congeminar para a área do Estoril. Obviamente, não posso saber tudo (como Deputado - está visto - não posso saber quase nada). Mas é evidente que como cidadão tenho imenso interesse em saber algumas coisas. Entende V. Exa. que isso é "uma devassa"?

Vozes.

É que isso faz-nos perder nos labirintos de uma pirâmide de secretismo, em que V. Exa. vai de recuo em recuo até ao Estado napoleónico, e adora! E isso é o contrário da reflexão moderna, não digo, sequer, no pensamento socialista europeu, mas no pensamento democrático comum, comezinho, tal qual foi há pouco invocado pelo Sr. Deputado Alberto Martins, quando evocava o famoso colóquio de Graz. Essa evolução é hoje partilhada por muitas famílias políticas europeias, com excepção naturalmente daquelas que estão dominadas pelas tempestades neo-liberais ou que andam "em parafuso", em busca de identidade.

O conjunto das preocupações que o Sr. Deputado revela em relação a terceiros são respeitáveis na medida em que ninguém propõe o que receia. Se V. Exa. tiver o cuidado de ler, por exemplo, por gentileza, numa tarde destas, o Projecto n.° 337 V do PCP, em que se explicita com abundância de conceitos, de noções, de

cautelas, de salvaguardas, em que é que se traduz o direito de acesso, encontrará aí, por exemplo, uma tentativa, razoável e equilibrada de delimitar os contornos desse acesso, que não pode ser total, como é evidente, Sr. Deputado Jorge Lacão.

Mas, para uma solução normativa ser interessante, para "rebentar" com o conceito tradicional de legitimidade, tem de permitir que terceiros, assim entendidos, tenham acesso a certas informações, com salvaguarda de outros valores, como é óbvio. Mas é acesso de terceiros, e isso não é "devassa", é a alma mesma da Administração aberta. Era apenas isto que eu gostava que o Sr. Deputado pudesse ter em consideração porque, de contrário, recua ao século XIX.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Deputado José Magalhães, como se viu, precipitou-se. Referi-me à proposta do n.° 5 do artigo 267.° e qualifiquei-a como abrindo para uma lógica de devassa da actividade administrativa, e mantenho essa afirmação, na medida em que a proposta do PCP não é compensada com quaisquer princípios restritivos. Ora o princípio da transparência, até para ter credibilidade, tem que ser compensado com algumas cautelas restritivas. Uma delas será o princípio da reserva em atenção à natureza das matérias que estiverem sob apreciação. A outra implica, em atenção à confidencialidade e à necessidade de proteger interesses legítimos de terceiros. Não tendo o PCP curado de aflorar o sentido das restrições a fazer, naturalmente fica susceptível de receber o tipo de críticas que lhe fiz.

Se o Sr. Deputado José Magalhães reflectir na diferença e no cuidado que vai entre a proposta do PCP e aquela que o PS apresentou verificará que o direito apresentado pelo PS, sendo mitigado, é duplamente mitigado em atenção a um princípio de reserva, face à natureza objectiva de certas matérias e por outro lado à necessidade de garantir certo tipo de confidencialidade, em atenção às pessoas. Diria que a proposta do PS até vai demasiado longe, porque quando o PS refere que o direito de acesso é excepcionado nas matérias relativas à segurança e defesa do Estado e à investigação criminal e à identidade das pessoas, esta regra de excepção porventura é, ela própria, demasiado ampla. Não está demonstrado que todas as matérias relativas à segurança e defesa do Estado afectem necessariamente a segurança e a defesa do Estado. Isto significa que também o PS está em condições de reflectir sobre o sentido da sua proposta e verificar que, sobretudo naqueles documentos que fazem história, que tiveram ligação com matérias de segurança e defesa do Estado, o princípio da restrição não deve manter-se só em atenção à sua natureza, mas apenas elas afectarem efectivamente a segurança e a defesa. Isto conduzirá a que o PS, ele próprio, possa ponderar um sentido mais flexível para a sua própria proposta.

Como vê, Sr. Deputado José Magalhães, não estamos a reflectir à luz do princípio da arcana praxis, mas, bem pelo contrário, na tentativa de um impulso constitucional que caminhe efectivamente no sentido da administração aberta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, fico muito satisfeito, mas gostaria de formular uma pergunta ao Sr. Deputado Jorge Lacão, depois do almoço.