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1854 II SÉRIE - INÚMERO 58-RC

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pois não, Sr. Presidente, elimina-a o PSD. É um mistério da Rua de São Caetano. Ou é um gralha da famosa dactilógrafa do Sr. Deputado Rui Machete?

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - O Sr. Deputado quer já a resposta ou prefere que responda no fim?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Talvez seja preferível, uma vez que os senhores foram interpelados em segundo lugar, que o façam no momento próprio. Por mim não terei nenhuma objecção a que a soberania popular seja objecto de defesa imediata, sobretudo se se tratou aqui de um lapso.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Não foi um lapso, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - A outra matéria que é intrigante, o segundo mistério da Rua de São Caetano, é este inciso relativo à "divisão e equilíbrio de poderes". Em bom rigor, a Constituição, ao prever o pluralismo de expressão e organização políticas democráticas, etc., etc., prevê o que prevê, e uma das coisas que prevê é a separação e a interdependência. Nem prevê o conceito de divisão de poderes. O que prevê é a separação e interdependência dos órgãos de soberania e, portanto, tem uma conceptologia própria adiante, en su sitio.

Aqui trata-se de estabelecer um princípio, como aliás é próprio da sede em que estamos a fazer o debate, o qual é substituído, na vossa lógica, pelas duas noções seguintes: em vez de "pluralismo de expressão e organização política democráticas" (sendo a última expressão bastante rica e densa, como se sabe), propõe-se a formulação "pluralismo de expressão e organização políticas", excluindo-se o termo "democráticas". Mas porquê, Srs. Deputados?

Além disso, a vossa lógica baseia-se também na divisão e equilíbrio de poderes, o que significa consagrar o noção de divisão, conceito introduzido ex novo com uma carga que traz em si mesma resquícios de um debate de fundo bastante antigo, para o qual o PSD foi acordado nos seus tempos de governo minoritário. Talvez sejam as feridas desse governo que aqui estamos todos a purgar nesta redacção do PSD!

Em todo o caso, não nos parece que a questão mereça ser salientada nesta sede, com este cariz, e sobretudo com alteração do conceito constitucional hoje aplicável.

Aguardo realmente com bastante curiosidade a explicitação das razões que tenham levado o PSD a fazer esta proposta. Seguramente que não terá sido qualquer encíclica nesta matéria nem o grande Montesquieu, porque, como é sabido, a Constituição está bastante para além de Montesquieu!

O Sr. Presidente: - Pela parte que me diz respeito, responder-lhe-ia já, para não perdermos o imediatismo da conversa.

Por um lado, este tem sido o núcleo essencial da nossa querela semântica: as referências ao caminho para o socialismo. Nós entendemos que estas referências têm a explicação histórica que todos conhecemos,

mas a verdade é que a história, ela própria, se encarregou de revelar que aquilo que os constituintes julgaram que nessa altura seria a Constituição material não o era tanto como isso. Era mais episódica, mais datada do que se julgou.

De facto, há doze anos que não se transita coisa nenhuma para o socialismo, há doze anos que não há apropriação colectiva. No momento em que nos dispusemos, bem ou mal - mal na opinião do deputado José Magalhães -, a eliminar como obrigação constitucional a apropriação colectiva, e não como mera possibilidade, a qual se manterá no texto, que de algum modo desinflamámos a planificação democrática tal como a Constituição a concebe e que também eliminámos a impossibilidade de reprivatizar empresas que foram nacionalizadas, nessa altura não faz sentido mantermos aqui uma referência à via para o socialismo. A não ser que pretendamos mesmo forçar uma desadequação da Constituição à realidade.

A realidade neste momento - espero que por pouco tempo - é a de um governo que é liberal, que defende o capitalismo liberal. Está no seu direito. Tem algum significado a Constituição referir que estamos em transição para o socialismo? Mesmo que tenhamos estado nessa via durante estes anos, sem transição efectiva de coisa nenhuma do sector privado para o colectivo? Essa expressão vai desaparecer da Constituição com o nosso voto. Daí a coerência da eliminação dessa referência à apropriação colectiva como uma forma impositiva, ficando referenciada apenas como uma faculdade.

É preciso que a Constituição material não envelheça além de um certo ponto, sob pena de se transformar em algo que não é minimamente respeitado.

Sou socialista, o meu partido é socialista e eu gostaria muito que a Constituição do meu país incluísse a expressão "o caminho para o socialismo" se não acontecesse que o meu país não quer o caminhar para o socialismo. Neste momento o País não quer isso, embora eu queira. É óbvio que não quer. Portanto, a Constituição material impõe-nos uma atitude de coerência.

Quanto à divisão e equilíbrio dos poderes, confesso que não morro de amores pela fórmula e designadamente que ela fique aqui estabelecida. De qualquer modo, considero que não fica mal num Estado de direito consagrar uma referência à divisão e ao equilíbrio dos poderes, porque essa foi sempre uma salvaguarda clássica do regular funcionamento das instituições.

Aqui, o Partido Socialista tem uma posição que se pode considerar próxima da definitiva. A nossa formulação é esta e não é passível de grandes alterações. Em relação à queda da expressão "transição para o socialismo", realmente ela vem no sentido de cortar o mito pela causa, por razões que são conhecidas. O resto está cá.

Para além disso, não se esqueça o Sr. Deputado José Magalhães de que enquanto hoje a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa são um "instrumento", passam na nossa proposta a ser um "objectivo". Esta alteração é de profundo alcance. Se nós conseguirmos realizar a democracia económica, a democracia social e democracia cultural, esta é também, no nosso entendimento, uma outra fórmula de dizer "socialismo".