O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

24 DE OUTUBRO DE 1988 1571

"os estatutos das regiões autónomas estabelecem as condições e formas da sua participação no estabelecimento da divisão judicial do território, com respeito pela unidade e independência do poder judicial".

Para justificar esta proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme da Silva.

O Sr ^Guilherme da Silva (PSD): - Esta questão da organização judicial das regiões autónomas não é nova e ainda há pouco tempo foi apresentada na Assembleia da República uma proposta de lei da Assembleia Regional que visava contemplar soluções nesta área para a Região Autónoma da Madeira, proposta essa que, infelizmente, não prosseguiu e não foi aprovada. O que acontece - e é bom que isso fique claro - é que não existe propriamente nesta pretensão, nem na pretensão que foi veiculada através dessa proposta de lei, a exigência de uma organização judicial desarticulada, desmembrada da organização judicial nacional. Na verdade, a nossa preocupação é que se tenham presentes as condições específicas que também na área judiciária as regiões autónomas apresentam. É necessária a criação de novos tribunais, dada a situação de carência que neste campo se verifica nas regiões autónomas. Estou-me a lembrar, por exemplo, do contencioso administrativo: não há na Região Autónoma da Madeira um tribunal administrativo de círculo, assim como não há, tanto quanto sei, um tribunal administrativo de círculo na Região Autónoma dos Açores. Ora, com o incremento que as autonomias tomaram naquelas duas regiões, é salutar e a todos os títulos conveniente uma mais fácil fiscalização dos actos administrativos, desde os actos dos governos regionais aos actos das câmaras, aos actos das juntas de freguesia. E vemos com pena que para poderem eventualmente reclamar essa fiscalização contenciosa, que é um direito constitucionalmente consagrado, os cidadãos açorianos e madeirenses tenham de o fazer através do tribunal administrativo do círculo de Lisboa, com todas as dificuldades inerentes, o que de certo modo atenta contra o direito de acesso à justiça e aos tribunais. Também, por exemplo, na área fiscal o tribunal próprio para as reclamações dos recursos fiscais de primeira instância da Madeira é o Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Santarém. Como é que um cidadão da Ponta do Sol ou da Calheta, na Madeira, vai dirigir a sua reclamação para o Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Santarém? Isto é uma coisa perfeitamente aberrante.

É, pois, este conjunto de condições específicas das regiões autónomas que leva a esta preocupação de consagrar na Constituição a possibilidade de uma organização judicial específica, com este sentido restrito do levantamento, do apuramento deste quadro de carências e da resposta adequada. Isto também porque a autonomia tem permitido que em várias áreas se consiga alguma eficiência e celeridade de processo, e a circunstância de as regiões não poderem ter nenhuma intervenção em matéria de organização dos tribunais tem provocado uma estagnação e uma deterioração cada vez maior na justiça nas regiões, quer por atraso, quer por falta de tribunais, quer por falta de magistrados. É portanto este o intuito desta disposição.

Por outro lado, basta a circunstância - e, obviamente, nem de outra forma poderia ser - de aqui se referir que a definição dessa organização judicial específica seria feita através de lei da Assembleia da República para que estejam acautelados e inteiramente tranquilizados os espíritos que pudessem ver nesta norma o intuito de criação de uma organização judiciária, de uma justiça específica ou retirada do contexto da organização judiciária nacional. É este o alcance e é esta a visão que temos ao propormos esta norma no nosso projecto de revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão sobre o artigo 230.°-A.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, verifica-se desde logo que este artigo vem repor uma questão que eu diria que é sobretudo uma questão que o PSD tem com ele próprio. Na verdade, como o Sr. Deputado Guilherme da Silva bem recordou, ainda há pouco tempo ela foi objecto de viva polémica no Plenário da Assembleia da República, aquando da não admissão, por parte do Presidente da Assembleia da República, de uma proposta de lei oriunda da Região Autónoma da Madeira na qual se pretendia a criação de uma organização judicial própria. É um facto que já hoje o Estatuto dos Açores consagra uma norma permitindo a existência de uma organização judicial própria para essa região. De outro tanto não se pode gabar a Madeira, mas isso tem a ver com a inexistência do célebre estatuto definitivo - e esse é outro problema. Porém, gostaria de verificar que o PSD tem evoluído de uma maneira muito curiosa neste ponto. Começou, primeiro, ao tentar sustentar a posição do Presidente da Assembleia da República, por justificar essa não admissibilidade da proposta na circunstância de a competência para a definição dessa organização judicial pertencer exclusivamente ao Governo. Chegou mesmo à forma desairosa de admitir que essa competência governamental (exclusiva) seria de natureza administrativa e não de natureza legislativa. Teve depois de corrigir essa posição e admitir que essa função legislativa era da competência da própria Assembleia da República e que, naturalmente, estava submetida ao princípio da reserva da lei.

Verifico agora com alguma perplexidade que os autores desta proposta, curiosamente, são minimalistas. De facto, tendo no artigo anterior apresentado uma solução que permitiria aos órgãos de governo regional legislar em matéria de interesse específico, sob autorização legislativa da Assembleia da República, permitindo portanto o princípio da delegação de competência, vêm agora definir um princípio de reserva absoluta por parte da Assembleia, o que é tanto mais curioso quanto, nos termos do artigo 168.° da Constituição, esta reserva que a Assembleia da República tem em matéria de organização judicial não é de reserva absoluta, mas de reserva relativa. Ou seja, os autores deste projecto viriam configurar para a organização judicial específica das regiões autónomas não o princípio genérico de reserva relativa por parte da Assembleia da República mas um princípio de reserva absoluta. É curioso verificar este sentido minimalista da proposta apresentada. Porventura os autores não se confrontaram com este aspecto do problema, mas a verdade é que estão a definir não apenas a regra geral da reserva da lei, como a reserva de lei da Assembleia, e nesse sentido portanto, reserva absoluta de competência legislativa. Gostaria de perguntar aos autores da proposta se tinham meditado nestas consequências e saber o seu ponto de vista.